Nestas revistas, a historiografia e a crítica surgiam lado a lado, reflectindo a prática de muitos estudiosos. A busca, por vezes mirífica, da estrita objectividade, assentava numa unanimidade intrínseca de critérios de valorização estética, que abrangia tanto os historiadores como os críticos, dando-lhes segurança epistemológica e fazendo-os acreditar na crítica como ciência. Todos partilhavam três convicções interdependentes: a arte é a expressão de um belo absoluto, a arte exprime a subjectividade do artista, a arte não deve contradizer a natureza. O exercício equilibrado destes dogmas impedia os excessos, em potência, contidos em cada um deles e oferecia uma base inexpugnável de apreciação. Compreende-se, por isso, que a crítica se tenha estruturado sobre três anseios que, como já noutro lugar escrevemos, não são mais do que consequências do dogmatismo estético: fundamentação científica, isenção e carácter judicativo. Como é evidente, estes atributos exprimem uma teoria da arte marcada pelo predomínio de um idealismo que tende a recusar a subjectividade do gosto e pela aceitação de um conhecimento positivo, descritivo e erudito. Até ao início do século XX, a crítica de arte é um juízo e portanto quer ser uma ciência. Depois, torna-se impressão e portanto quer ser arte.
A crítica conheceu um notório desenvolvimento nas últimas três décadas de Oitocentos, graças, num primeiro momento, a autores como Rangel de Lima, Luciano Cordeiro, António Enes e Zacarias d’Aça. Francisco Rangel de Lima (Lisboa, 1839 – Lisboa, 1909), funcionário público, dramaturgo, deixou muitos artigos em Artes e Letras e A Arte, nos anos setenta. Formado no Curso Superior de Letras, Luciano Cordeiro (Mirandela, 1844 – Lisboa, 1900) foi professor, director-geral da Instrução Pública, deputado pelo Partido Regenerador e fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa. Desempenhou o cargo de secretário da comissão de reforma do ensino artístico, conservação dos monumentos históricos e formação dos museus nacionais. Escreveu sobre as colónias e a expansão marítima portuguesa, bem como ciência, literatura, geografia, viagens, hidrografia e actividade bancária. No âmbito artístico, publicou Tesouros de Arte: Relances de um viajante (1875), um parecer acerca de As Obras dos Jerónimos (1895) e uma colectânea em dois volumes: Livro de Crítica: Arte e literatura portuguesa de hoje: 1868-1869 (1869) e Segundo Livro de Crítica: Arte e literatura portuguesa de hoje: Livros, quadros e palcos (1871). António Enes (Lisboa, 1848 – Queluz, 1901) foi jornalista, bibliotecário da Biblioteca Nacional, dramaturgo, administrador colonial, deputado, embaixador e ministro da Marinha e Ultramar (1890-1891). Colaborou na revista Artes e Letras, onde escreveu sobre «Os abusos do realismo» (1872) e realizou a crítica de exposições. Zacarias d’Aça (Lisboa, 1839 – 1908), bibliotecário da Academia de Belas-Artes, oficial da Direcção-Geral de Instrução Pública, professor durante catorze anos num colégio, escreveu sobre caça, história e arte. Colaborou na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil e em O Ocidente. Um dos três capítulos do volumoso livro sobre Lisboa Moderna (1906) é dedicado às belas-artes.