Apesar de tudo, faltava à história da arte um Alexandre Herculano que moderasse as ideações inconsistentes e praticasse a investigação arquivística, a inventariação e a crítica informada. A historiografia artística continuava a carecer de autonomia epistemológica e permanecia fora do sistema universitário. As escolas de belas-artes não promoviam a investigação histórica. Isso explica, aliás, a oratória antiquada de um dos directores, Francisco de Assis Rodrigues (Lisboa, 1801-1877), em discursos dos anos cinquenta e sessenta e o apego a Winckelmann patente no Dicionário de Pintura, Escultura e Arquitectura (1875).
Foi neste contexto, ainda tão propício ao diletantismo e à retórica nacional, que emergiu Joaquim de Vasconcelos (Porto, 1849 – Porto, 1936), unanimemente considerado o primeiro grande historiador de arte português. Reynaldo dos Santos refere-o, em 1922, como «o ilustre mestre e verdadeiro iniciador dos estudos de crítica histórica sobre arte em Portugal» (A Torre de Belém, Coimbra, 1922, p. 10), e, em 1929, como um verdadeiro marco balizando dois tempos: «A historiografia da Arte em Portugal pode dividir-se em dois períodos – um antes do Sr. Joaquim de Vasconcelos, e outro, que ele iniciou». («Joaquim de Vasconcelos», Ilustração Moderna, Porto, Fevereiro de 1929, p. 282). A sua formação na Alemanha conferiu-lhe uma competência metodológica e crítica muito superior à que vigorava no nosso País. E promoveu nele a intransigência em relação à mediania e às formas mais superficiais de patriotismo artístico.
«Nascemos em Portugal», escreveu em 1873; «a existência física prende-nos aqui, mas essa é frágil e pode durar apenas a existência regular de uma vida; a existência intelectual e moral devemo-la à Alemanha» (O Consumado Germanista…, Porto, p. 1). Filho de um negociante, órfão desde os quatro anos, foi enviado para Hamburgo em 1859. Regressou seis anos depois com o intuito de se preparar para o ingresso na universidade, mas acabou por desistir desse projecto. Sentiu então um «retraimento nos estudos» e um «profundo nojo» pela sociedade. As palavras são suas. Respondeu a ambos com um labor constante, de que resultou uma avultada obra sobre arquitectura, escultura, pintura, cerâmica, artes industriais, ourivesaria, música e ensino artístico. Viu «não só os monumentos de Portugal de norte a sul, mas a sua escultura, a ourivesaria, a pintura, o mobiliário, a faiança, a indumentária, os bordados, todos os aspectos enfim das formas decorativas e das suas tradições, a par de uma cultura da história geral da arte, um domínio da sua bibliografia e o conhecimento das obras estranhas, essenciais para o estudo das afinidades e das origens da arte nacional» (Reynaldo dos Santos, art. cit., pp. 282-283).