No princípio toda a História era política. Os mais importantes historiadores trabalharam sobre esta variante, mas a modalidade passou por uma vida acidentada. Tendo ocupado um espaço central na forma de pensar o passado, sobretudo a partir do século XIX, a História Política Tradicional caiu posteriormente em desuso, sendo marginalizada, rejeitada mesmo e condenada pelos cânones emergentes como não científica, ainda que numa fase de afirmação os seus cultores tenham reclamado a cientificidade deste campo de estudos. No final da década de 1980 assistiu-se a um ressurgimento da História Política, sobretudo, sentido na historiografia da Europa continental. A História Política modernizou-se e transformou-se numa “Nova História Política” como consequência directa da alteração dos paradigmas historiográficos vigentes influenciados que foram pelo debate ideológico subsequente à queda do Muro de Berlim e posterior desmoronamento da União Soviética. O reforço do género ficou em primeiro lugar a dever-se ao ocaso do marxismo, enquanto filosofia de interpretação dos fenómenos históricos e ao reconhecimento das insuficiências e limitações das análises de tipo estrutural dele derivadas, bem ao gosto da até então dominante “Escola dos Annales” e dos seus seguidores. Estes tinham preferido chamar a atenção para o colectivo e para a acção das grandes massas sociais, deixando um reduzido espaço de manobra para a afirmação do indivíduo enquanto verdadeiro motor da história. Algumas excepções, como no caso de Lucien Febvre, que escreveu várias biografias históricas, entre elas a de Martinho Lutero, confirmam a regra. Em consequência deste renascimento da valorização do papel do homem, enquanto sujeito principal da acção, e como reacção contra a história serial, assistiu-se em Portugal e em outros contextos, a partir da década de 1990, “ao regresso do acontecimento” e à reabilitação da política pelos estudiosos do tempo, sobretudo sobre o período contemporâneo, à semelhança do ocorrido particularmente em França. Este era, afinal, mais um episódio do clássico conflito historiográfico entre a prevalência do grupo e a afirmação do individual, ou por outras palavras, entre o primado da estrutura e a supremacia da acção. Mais recentemente, a atomização dos estudos históricos vieram novamente relativizar a importância da História Política no contexto internacional, mas também em Portugal. Toda esta evolução nunca dispensou o debate sobre as várias perspectivas epistemológicas em discussão. Esta é a viagem que nos propomos percorrer nas próximas páginas.
Seguindo um roteiro possível já proposto, podemos destacar a História Política Tradicional como o lugar privilegiado da escrita da História, ou por outras palavras, a História Política era a História e a História afigurava-se como a disciplina central dos estudos da sociedade. Deste tempo emergiram historiadores como Leopold von Ranke (1795-1886), Fustel de Coulanges (1830-1889) ou William Stubbs (1825-1901). O primeiro foi considerado um dos pais fundadores da “História Científica”. Atraído pelo encanto das fontes primárias, Ranke valorizava o papel da narrativa e do agente humano na História, ao contrário da Filosofia da História praticada por Friedrich Hegel (1770-1831). O segundo, ainda que politicamente se tivesse destacado enquanto conservador e adversário do sufrágio universal e da democratização dos regimes políticos, também advogava uma aproximação “moderna” à escrita da História. De acordo com a opinião do mesmo Fustel de Coulanges, a História dita “científica” dependia do distanciamento da experiência do presente, o que se compreendia porque o autor integrou uma geração ainda muito marcada pela memória do Terror da Revolução Francesa e da acção da Convenção durante a Primeira República. De acordo com a sua perspetiva, a História deveria voltar-se para a observação e encontrar um método, baseado na leitura e na acumulação de documentação. Esta visão marcava uma mudança substancial em relação às abordagens historiográficas oriundas do romantismo, na linha do proposto por Jules Michelet (1798-1874) e pretendia impedir que o passado fosse apropriado pelo presente. A História baseava-se num “regime de evidência”. Na mesma linha podemos considerar o empirismo defendido por William Stubbs.