O período romântico. Alexandre Herculano. Posteridades.
A historiografia romântica, acompanhada da ficção romântica, em particular de conformação histórica, ergue-se como lugar decisivo em que a Literatura vai olhar para a História como uma das formas prioritárias de configuração da imaginação literária. Falar de Literatura e História no período romântico é naturalmente implicar inúmeros autores – mas o protagonismo desse cruzamento, aliás de acordo com padrões e objectivos diferenciados (ou seja, distinguindo já claramente uma “ideia de ciência histórica” de uma “ideia de literatura”) vai, como não podia deixar de ser, para Alexandre Herculano. No século XIX, Herculano é, juntamente com Almeida Garrett, uma das figuras fundadoras do Romantismo em Portugal, um dos seus emblemas e na realidade a sua consciência moral figurada. Foi este um papel que Herculano desempenhou ao longo de toda a vida, mantendo uma atitude coerente na vida política, cultural e literária que o fez recusar honrarias públicas mas que também lhe trouxe o reconhecimento como referência moral ao longo de todo o século XIX (a Geração de 70, em particular Oliveira Martins, tem-no como mestre). É na aliança do terreno da narrativa, entre Literatura e História, que Herculano dará os seus mais importantes contributos. Em primeiro lugar, a sua ficção em prosa: entre 1839 e 1844, publica no periódico O Panorama um conjunto de narrativas, entre o conto curto e a novela, que aparecerão mais tarde, em 1851, sob o título de Lendas e Narrativas. Fundamentalmente constituída por contos e novelas de inspiração histórica, esta série de narrativas deve ser considerada como a semente da qual o romance histórico, que Herculano funda em Portugal, na esteira de Walter Scott (como ele mesmo afirma), nasce e a partir da qual se vai afirmar.
Se o romance histórico herculaniano se institui grosso modo na década de 1840, as décadas seguintes verão surgir em Portugal um grande número de obras daquilo a que a tradição literária passou a chamar e a reconhecer como narrativa histórica ou, se quisermos ser mais precisos, romance histórico. Em primeiro lugar, retenhamos a singular permanência do imaginário histórico no âmbito da ficção dos séculos XIX e XX (e mesmo já XXI). Na realidade, a afirmação, relativamente comum há algumas décadas, que remetia para o período oitocentista a prática sistemática do romance tem hoje de ser revista e completada pelo enorme interesse que a forma despertou sobretudo na segunda metade do século XX, no âmbito daquilo que veio a designar-se como romance pós-moderno. Se uma das formas que esta forma de modernidade prioritariamente assume, como defendeu entre outros Linda Hutcheon (Historiographic Metafiction…, 1989), é uma certa consciência obsessiva (e subversiva) dos efeitos da ficção historiográfica, não será difícil ver que, em autores como José Saramago, António Lobo Antunes, Mário Cláudio, Agustina Bessa-Luís, ou Mário de Carvalho, a História surge como motor de um pensamento sobre o contemporâneo que retira qualquer efeito passadista à reflexão feita sobre o passado.