Em 1934, tanto a Exposição Colonial do Porto como o 1º Congresso Nacional de Antropologia Colonial foram sobretudo espaços de difusão da ideologia colonial que orientava a fabricação de um conhecimento ‘científico’, centrado na valorização da acção civilizadora e da raça portuguesas, que viria a ser reforçado pela investigação no campo da antropologia física (Mendes Corrêa, As Raças do Império, 1943).
O eficaz trabalho da ideologia colonial permitiu fixar as matérias coloniais como ‘especialidades’ exclusivas dos homens que formavam e eram formados por instituições específicas, geridas pelos responsáveis políticos. A Escola Colonial, designada como Escola Superior Colonial (ESC) em 1927, transformada em 1954-55 em Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, viu os programas serem modificados em função da evolução da política colonial, que também orientou a criação, em 1936, da Junta das Missões Geográficas e das Investigações Coloniais, reformada em 1943 (e de novo em 1973), com o objectivo de dar “à investigação científica nas colónias (…) novo impulso [contribuindo] para os progressos da técnica e da política de colonização” (Da Comissão de Cartografia…, 1983).
A parte mais substancial dos estudos consagrados ao espaço ultramarino era editada em publicações dirigidas por organismos do Estado, como o Boletim da AGU ou a revista Estudos Coloniais da ESC, que procuravam estabelecer a relação entre o conhecimento científico e a gestão colonial. Tal não impediu outras edições (autorizadas) que desempenharam um serviço eficaz ao Estado colonial. Foi o caso da obra Antropófagos (1947), onde Henrique Galvão dava a conhecer a selvajaria congénita dos africanos. A ideia do «preto-antropófago» banalizada sem limites, através dos mais diferentes suportes de divulgação da imagem e da escrita, destinados a crianças, adolescentes e adultos, tornou-se um elemento estruturante do imaginário português.
Mas o Estado parecia ter renunciado a uma parcela do seu monopólio sobre o saber colonial, autorizando alguma autonomia em espaços ‘neutros’ como a geografia, a biologia, a botânica, a zoologia, ou seja, nos campos do conhecimento que pareciam furtar-se à sobrecarga da ideologia. Esta situação, aliada ao contexto internacional gerado com o fim da II Guerra Mundial (1945), à Conferência de Bandung (1955) e à condenação do colonialismo, permitiu a emergência de uma reflexão sobre a fragilidade ‘endémica’ da investigação científica portuguesa, centrando-se na geografia, consequência da importância científica de Orlando Ribeiro.