A leitura de Junqueiro não pode não estar afectada por esse potencial anti-moderno (que faz parte da sua densificação histórica), quer ao nível da dicção, quer ao nível simbólico-literário. Entretanto, esse potencial de anti-modernidade surgiu precisamente como o terreno em que melhor se alicerçou, também, o seu potencial de futuro (pelo menos, o futuro daquele particular passado que foi o seu presente).
Há em Guerra Junqueiro e Oliveira Martins a proposta de uma ideia histórica de Portugal que, também em ambos, não surpreende ver-se polarizada em torno da figura (poligonal) de Camões. Era aliás o próprio Junqueiro o primeiro a reconhecer que o seu poema A Pátria continha uma ideia de ressurgimento da Nação em torno das figuras, para ele emblemáticas, de Nun’Álvares e de Camões. Mas, no mesmo poema, atenção especial deve ser dada, no contexto presente, à figura do Doido, bem como as relações que estabelece com o políptico de Oliveira Martins e a caracterização que ele faz da História de Portugal. Já Hélder Macedo (“A Mensagem e as mensagens…”, 2006, pp. 150-164), com justeza, sublinhara a visão orgânica da História de Portugal de Oliveira Martins e a sua impossibilidade ontológica (e por isso paradoxal existência histórica) como “visão fantasmática de Portugal”, lembrando a caracterização que este autor faz do país como uma nação “decrépita e doida”, caída em “estado comatoso” (Idem). Ora a figura do Doido é no poema de Junqueiro central, transportando memórias simultaneamente shakespearianas e camonianas – visto que ao seu recorte alusivo a tragédias como Hamlet ou King Lear se acrescenta o facto de que é explicitamente associado à figura de Camões – mas também à dinastia espectral dos Braganças, desfilando perante D. Carlos. Esta dimensão espectral e fantasmática, associada àqueloutra representada pela figura do Doido, introduz no poema um modo de reflexão que faz convergir a questão político-social com a questão mítico-simbólica.
O projecto literário de Junqueiro parece propor a reescrita da epopeia como o lugarmoderno por excelência– no que seria um projecto claramente deslocado, ou pelo menos de conformação paradoxal, como a futurante Mensagem (previamente intitulada Portugal, como sabemos) deixaria entrever. A construção da modernidade da Mensagem precisa, assim, da retaguarda que Junqueiro lhe oferece como mediação camoniana. Camões e em particular Os Lusíadas, os grandes silenciados na obra de Pessoa, são-no também pela sua incorporação através de Junqueiro e pela forma como são anexados, via Oliveira Martins, como particular obsessão apocalíptica que em Mensagem se acoplará ao visionarismo do Quinto Império.