Um dos conjuntos de textos que constituem manancial para a equacionação das relações entre Literatura e História, ao longo do século XX, é constituído por textos de cunho diarístico, memorialístico e autobiográfico. Clara Rocha (“O Memorialismo”, 2011, pp. 375-396) que, juntamente com Paula Morão, é das vozes críticas que mais consistentemente tem estudado este tipo de produção literária entre nós, tece a este respeito as seguintes considerações: “O memorialista escreve não apenas para dar corpo de eternidade ao seu próprio tempo vital, mas também para preservar a memória de acontecimentos, figuras, ideias e valores que enquadram esse tempo. Ele é um autobiógrafo com o sentido da história (…). Nessa tensão entre um «eu» e a história se constroem os relatos memorialísticos, destinados a assegurar a conservação e a transmissão de um património que é parte integrante da consciência histórica. (Idem, p. 375)”
É nesta perspectiva que convirá reter nomes como por exemplo Raul Brandão, com os dois volumes de Memórias, publicados respectivamente em 1919 e 1925; ou Teixeira de Pascoaes, Livro de Memórias, 1928; Aquilino Ribeiro, Um Escritor Confessa-se (1974) e É a Guerra (1934), este último especificamente sobre a Primeira Guerra Mundial, que aliás provocou um grande número de textos deste género; José Gomes Ferreira, A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim (1965); Miguel Torga, um dos mais atentos espectadores do século XX, os dezasseis volumes de Diário, iniciado em 1941; Vergílio Ferreira, os volumes de Conta-Corrente, publicados a partir de 1974. Convém ainda recordar, além dos já mencionados, alguns outros ecos que a Guerra Civil de Espanha teve entre nós, desde a obra de José Rodrigues Miguéis, empenhado defensor da causa republicana, até ao extraordinário poema de Carlos de Oliveira “Guernica” (Trabalho Poético), descrevendo os horrores de uma guerra fratricida (e já europeia), que mutila e desfaz toda e qualquer forma de identidade. Devemos ainda referir-nos, pela sua importância de enquadramento e pelo seu carácter sistemático e de escola, ao movimento neo-realista que, de forma mais ou menos coesa teve, sobretudo entre a década de 1940 e o final da década de 1960, um extraordinário papel de agitador das consciências e de representação directa da realidade política, humana e até mesmo etnográfica que constituía Portugal, que em meados do século XX se encontrava em processo de acelerada transformação histórica, frequentemente com consequências contraditórias e heterogéneas. Alguns dos nomes mais importantes deste movimento, como Alves Redol, Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, ou José Gomes Ferreira evocam a atmosfera sufocante dos anos 60 e a procura, por vezes desregrada, da liberdade, a fuga política, a luta contra a repressão. Bastará pensar em obras como Avieiros (1942) ou Gaibéus (1939), de Alves Redol, Aldeia Nova (1942) ou O Fogo e as Cinzas (1953), de Manuel da Fonseca, ou ainda O Dia Cinzento e outros Contos (1944), de Mário Dionísio.