Entretanto em Amesterdão, intrigas várias matizadas de uma discreta coloração xenófoba e criando à sua volta uma verdadeira teia kafkiana, perseguem-no uma vez mais. E reedita-se uma situação psicologicamente desgastante a ponto de prever a saída daquela cidade e ir em busca de um novo destino profissional.. Mas a revolução portuguesa de 1974, surgindo no momento próprio, vai facilitar-lhe o ansiado regresso ao país. E pôr fim à sina de intelectual errante a que um qualquer mau génio parecia, para todo o sempre, tê-lo predestinado.

É o terceiro, último e extenso segmento do trajecto intelectual e de vida aqui considerado (1974-1993). Ora em certas dimensões do seu magistério escolar e sobretudo em relação ao empenho interventor no espaço público, A J. Saraiva não vai experimentar, no próprio país recém-saído do regime de ditadura, um ambiente tranquilo, isento de quesílias e de incómodos. Acabará assim por deixar a Universidade Nova que o acolheu num primeiro momento para estabilizar o labor universitário na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Clássica). Onde igualmente, num curto lapso de tempo, pressentiu a passagem do vento da adversidade. Era a mesma escola que o tinha deixado partir em 1943, nas condições anteriormente descritas, e que, em Janeiro de 1974, lhe havia atribuído o honorífico e, no caso, redundante grau de Doutor Honoris Causa. No período politicamente convulso do estabelecimento do novo regime, A. J. S. será eleito por um mandato para a presidência do Conselho Directivo daquela faculdade (1976-1977). Escola onde vai permanecer até à jubilação (1987), sem qualquer outra responsabilidade senão a de ensinar e orientar os candidatos aos graus de mestrado e doutoramento.

Num país liberto de uma asfixiante ordem autoritária e a ensaiar uma experiência democrática - não obstante submetido a novas fórmulas de recalcamento ideológico -, o seu arreigado mecanismo anti-conformista iria levá-lo depressa, a contra-ciclo da opinião dominante, a impugnar com inaudita aspereza formal e destemor argumentativo a mitologia da mesma revolução. Muito em particular no que concerne às nacionalizações em massa e à sua incidência político-militar nos territórios ultramarinos portugueses. Tendo o libelo que divulgou, denunciando a forma como o novo regime procedeu à descolonização do império, suscitado violentas reacções em diferentes sectores sociais mais à esquerda do espectro político e no seio do grupo de militares ligados ao processo revolucionário. Com o peso da sua reconhecida autoridade intelectual e cívica, Saraiva protagonizava na altura a função de consciência crítica nacional. Interessando-o a propósito, muito em particular, a temática da portugalidade. Um tema aliás muito debatido ao longo do último século. Os textos reunidos em Filhos de Saturno (1980) são concludentes quanto ao desassombro da sua intervenção jornalística naquele conturbado período da vida portuguesa. Com especial relevância para os alertas que lançou suscitados pela ameaça de um novo e até mais dogmático cesarismo na sua feição opressivamente totalitária. Porém, uma ou outra vez, podendo registar-se na sua intervenção alguns excessos opinativos distanciando-o de uma mais ponderada análise sócio-histórica e da sua indispensável visão poliédrica. E assim, a aprisioná-lo no espaço redutor e dicotómico da mais acesa luta ideológica. Contudo, à época, deve reconhecer-se, uma dimensão a sobrepor-se às restantes e a minar qualquer serena isenção judicativa. Mas em situações tão críticas, decerto não é ao historiador que incumbe a praxis militante mas ao ideólogo. E era a urgência do combate ideológico que o movia.

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