Porque para Sérgio, a história portuguesa mostrava em todo o seu percurso o domínio do “parasitismo”: “pela caça ao infiel mouro se formou a nacionalidade, a caça ao infiel negro incitou às descobertas, a caça ao infiel selvagem foi a nossa profissão no Brasil.” Mais: “Há mortos que é preciso matar — o Portugal histórico é dessa espécie.” (Samuel, A Renascença, p. 158).
Porém, ao propósito de reformação social e política, e sobretudo cultural que já juntara os intelectuais na “Renascença Portuguesa” a partir de 1912 (como depois os seareiros depois de 1921) não se segue uma única visão do passado por parte desses protagonistas-intérpretes. Pelo que Jaime Cortesão responderá, negando o pessimismo que lhe parecia ensombrecer a visão do passado de muitos dos seus contemporâneos: “nós fomos grandes pelo trabalho e pela honradez, grandes pelo pensamento e pelo valor, grandes, enfim, pela originalidade e lustre do nosso génio. Hoje não o somos por desnacionalização.” (Samuel, A Renascença, p. 151). Palavras de 1913, aparentemente de sentido oposto a Sérgio, quando ainda pouco sabiam de história, quer o futuro historiador, quer o aprendiz de ensaísta... Porque o que inspirava o poeta Jaime Cortesão de antes da guerra era sobretudo o pensamento expresso por Teixeira de Pascoaes, nos seus escritos programáticos fundamentando a pretendida e indispensável renascença portuguesa: O Espírito Lusitano ou o Saudosismo, de 1912, e A Arte de Ser Português, de 1915 – convicto que nelas se continha “a boa e sã doutrina portuguesa.” (Pascoaes, Arte, p. 7). Escritos de uma para-história imaginária, carreados por uma argumentação fantástica. No entanto, o seu companheiro Jaime Cortesão já preferia virar-se para a etnografia e para os rigores com que a estavam tratando Leite de Vasconcelos, Tomaz Pires, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Teófilo Braga e outros e que a Revista Lusitana ia difundindo. Do que resulta o seu Cancioneiro Popular – Antologia precedida de um estudo crítico (1914). Muito embora com uma certa inflexão, a saudade – a “deliquescente saudade” acintosa e provocadoramente escrevia Sérgio (Sérgio, Correspondência, p. 33) – ainda surgisse instalada em lugar central da construção teórica daquilo que quer que seja o espírito português, nessa obra que procura atingir o “conhecimento das energias latentes no fundo da Alma Popular.” (Cortesão, Cancioneiro, p. 9). Mas desde cedo que Cortesão entendia que se tinha que buscar no “historismo” “as virtudes do génio nacional para as adaptarmos à luta moderna.” (Samuel, A Renascença, p. 151).