Este veterano dos estudos etiópicos em Portugal (Cohen, “Les études éthiopiennes”, 1922, p. 137), membro ativo da Academia das Ciências, da Sociedade de Geografia e da Société Asiatique, distinguiu-se, de forma excecional, pela reputação internacional que alcançou sem estar ligado à estrutura académica, e talvez por isso sem deixar discípulos. Cursou, com distinção, Engenharia na Escola do Exército em Tancos, consolidando carreira, em Portugal, como engenheiro militar e com poucas deslocações documentadas ao estrangeiro. Se, em 1897, um bilhete de comboio o confirma presente, como ouvinte, na XI sessão do Congresso Internacional de Orientalistas, dúvidas há quanto à sua presença efetiva na XIV sessão em 1905, em Argel, a primeira a decorrer fora da Europa, em cujas atas publicou um trabalho seu. Foi autor de extensa obra de índole filológica, dedicando-se sobretudo à divulgação de literatura eclesiástica e cronística e à investigação da história do Cristianismo, particularmente no que concerne à África oriental e à Etiópia em concreto, cuja igreja cristã, uma das mais antigas do mundo (ortodoxa e resultante de sincretismos vários), constitui um estudo de caso peculiar no contexto africano. Especialista em Gêes, estudando numa fase mais tardia o Sânscrito e até o Persa antigo, deu a conhecer, por via do estudo crítico-literário, da edição e da tradução, manuscritos inéditos, sempre devidamente contextualizados e anotados, reveladores de preciosismo arqueológico e histórico para uma melhor compreensão das raízes da cultura europeia de matriz cristã. Nesse exercício de contextualização, o rigor autoimposto, muito patente no seu desempenho tradutório, passa inclusive por opções discursivas que, enquanto manancial de erudição e de atribuição de um estatuto científico ao estudo, não fosse Esteves Pereira um homem das ciências, por vezes tornam os seus textos inteligíveis apenas a especialistas (por exemplo, com a manutenção de títulos honoríficos, unidades de medida ou datas na sua forma original, em Gêes, sem qualquer clarificação ou equivalência para o sistema europeu). Tirou partido de uma sólida rede de contactos para obter cópias – manuscritas ou fotográficas, que lhe eram posteriormente remetidas por correio – dos materiais que constituíam o seu objeto de estudo, edição e tradução; foi através de intermediários, que por vezes nomeia nos paratextos dos seus trabalhos, que acedeu à coleção oriental do Museu Britânico ou ao fundo etiópico da Biblioteca Nacional de França. Editou também textos sobre a história da expansão portuguesa, praticando uma historiografia ao serviço da verdade, ou da reposição dessa verdade, em cuja tradição também se insere David Lopes, seu amigo, e que historiadores como Cunha Rivara e Luciano Cordeiro já vinham fazendo.
Ao contrário de grandes figuras seiscentistas, como Duarte Barbosa, Tomé Pires, Fernão Lopes de Castanheda, Diogo do Couto ou Gaspar Correia, com períodos de vivência direta mais ou menos longos na Ásia ao serviço do estado português, mas à semelhança de João de Barros, as da historiografia portuguesa oitocentista escreveram, muitas vezes, a partir de uma posição de exterioridade em relação à Ásia, ou seja, a partir de Portugal. Poucos foram como Cunha Rivara, português que se fez orientalista em Goa (Machado, “A experiência indiana”, 2009, p. 25). Os historiadores oitocentistas beneficiariam tanto dos legados deixados pelos seus antecessores como de uma formação mais especializada no âmbito da orientalística, colhendo saberes nos ou provenientes dos grandes centros europeus de estudos orientais, e/ou tirando partido de períodos de intercâmbio fora de Portugal, para fins de formação, estudo ou investigação. No entanto, o discurso sobre o “Oriente Português” não se fez exclusivamente a partir da metrópole.