Ora as definições que se tem vindo a apresentar, numa perspetiva de síntese, de orientalismo apontam para a disciplinarização de uma área de estudos (Rabault-Feuerhahn, “‘La science la robe au vent’”, 2012) – os estudos orientais – que se procurava, no final do século XIX, organizar e desenvolver a par de um discurso e imaginário sobre o Outro oriental, não havendo dúvida quanto ao perfil de quem teria a competência e legitimidade para o estudar e sobre ele falar – o europeu especializado na matéria (Idem, p. 2) ou com longa vivência empírica do espaço Oriente, ou o oriental formado e/ou radicado no Ocidente.
Fora de Portugal, sobretudo em Inglaterra, França, Alemanha, Itália e até Espanha, os estudos orientais prosperavam em virtude de iniciativas várias em prol da profissionalização de quem fazia este tipo de estudos, de que a criação de espaços de sociabilidade intelectual e debate científico como os Congressos Internacionais de Orientalistas é sintoma. Nestes congressos, que decorreram de forma mais ou menos regular durante um ciclo de 100 anos, entre 1873 e 1973, contando com 29 sessões oficiais (a que se juntam a de Londres de 1891 entretanto designada como estatutária e outra programada para Lisboa em 1892, onde nunca veio a acontecer), registou-se a circulação de participantes portugueses, ainda que intervalada e sem grande expressão numérica. Estes encontros foram, todavia, propícios ao estabelecimento e consolidação de redes de contacto e colaboração pelas quais os orientalistas portugueses se mantiveram atualizados a respeito dos avanços da orientalística praticada fora de Portugal e, alguns até, exportaram a sua própria produção científica. Francisco Maria Esteves Pereira é um caso ilustrativo, com muitos dos seus trabalhos recenseados em periódicos de línguas francesa e alemã. Sobretudo a partir do Congresso dos Orientalistas de Londres de 1892, pondo termo a uma cisão instalada desde, pelo menos, 1889 no seio da comunidade orientalista internacional, estes encontros seriam mais concorridos por orientalistas encartados, ou ditos profissionais, isto é, com percurso académico e/ou científico comprovados. Sobre os congressos, diz Filipa Vicente que “colocavam a denominação ‘oriental’ acima das especificidades geográficas que os distinguiam, contribuindo assim para consolidar a profissão de ‘orientalista’, investida de um sentido tão heterogéneo como o próprio ‘Oriente’ que se pretendia estudar” (Outros Orientalismos, 2009, pp. 75-76). Essa profissionalização decorre de forma mais imediata do estabelecimento de escolas, cátedras universitárias e curricula especializados um pouco por toda a Europa, a partir do final do século XVIII, como são exemplo a École Nationale (ou Spéciale) des Langues Orientales Vivantes (fundada em Paris, em 1795) ou, a partir da década de 1830, as universidades alemãs de Berlim e de Munique, que captaram um importante e atrativo corpo docente. Guilherme de Vasconcelos Abreu e David Lopes exemplificam dois trajetos científicos distintos, que beneficiaram desse esforço de especialização orientalística.