A empresa marítimo-comercial quinhentista e seiscentista portuguesa, apoiada no projeto missionário e nos estudos que os seus agentes produziram, sobretudo em torno das línguas nativas, com as suas gramáticas e vocabulários, em que, por vezes, teciam também considerações sobre religiões e costumes locais, teria portanto sido subsidiária da emergência do orientalismo como conjunto de saberes sobre o não europeu. Nesse sentido, Pedroso não deixa de se perguntar: “E o que teriam sido, sem o prévio e direto conhecimento das terras aonde aportou o Gama e por onde mais tarde se espalharam os continuadores da sua obra, a mitologia comparada, a ciência das religiões, o direito comparativo indo-europeu, para não falar especialmente da arqueologia e da filologia indiana [...]?” (Influencia dos Descobrimentos, 1898, p. 25). O historiador sugere, ainda que implicitamente, uma espécie de dívida epistemológica da Europa para com Portugal por este ter aberto caminho ao desenvolvimento do projeto e da ciência europeus.
Com efeito, a acumulação de saberes sobre o não europeu serviu de sustentáculo às práticas coloniais europeias, ao mesmo tempo que possibilitou a emergência de grandes centros de estudos orientais, como Londres, Paris, Munique ou Florença. A noção de dívida estará latente ao longo da produção historiográfica portuguesa e através dela marcar-se-ia o lugar precursor de Portugal na produção de conhecimento e de discursos sobre o Oriente, ainda que muita dessa produção (de Quinhentos e Seiscentos) não tivesse transposto as fronteiras linguísticas em que foi redigida, posto que se tratava sobretudo de obras “manuscritas em português, com uma circulação restrita de poucas cópias na corte de Lisboa e nos centros da Ásia” (Barreto, “O orientalismo conquista Portugal”, 1998, p. 279). O desconhecimento da literatura portuguesa quinhentista e seiscentista decorre, para David Lopes (“Note historique”, 1899, p. 69), da escassez de traduções que não terá permitido a sua disseminação. À língua atribui a pouca popularidade de que Portugal gozaria como centro produtor e fomentador de estudos orientais; esta mesma explicação seria replicada em contextos internacionais por historiadores como Silva Rego (por exemplo, “Indological Studies”, 1956, p. 223). Para além das fontes, também o trabalho feito sobre elas pelos orientalistas portugueses desde a segunda metade do século XIX continuaria a pecar por ser pouco acessível; a tradução inglesa que Xavier Soares faz, em 1936, de Influência do Vocabulário Português em Línguas Asiáticas (1913), do goês Sebastião Rodolfo Dalgado, é precisamente justificada com base em os orientalistas indianos não dominarem o Português e, por essa forma, desconhecerem tanto o nome do orientalista como o seu trabalho (Soares, “Preface”, 1936, pp. v-vii).