Em 1919, e em linha com os seus antecessores, Sebastião Dalgado define o orientalismo como área do saber agregadora de várias subáreas e geografias, sem se ater a um critério temporal ou de foro linguístico: “Conjunto dos estudos concernentes ao Oriente e extremo Oriente. Tais estudos abrangem a sanscritologia, sinologia, o iranismo e o que diz respeito à Malásia, Indochina, Japão e Arábia. Por orientalismo também se entende ‘locução hiperbólica ou simbólica ao modo dos orientais’” (Glossário Luso-Asiático, 1919, p. 124). Significativa é a ressalva que o orientalista oriental faz quanto ao uso hiperbólico ou simbólico, quase carnavalesco, do termo para quem não é oriental se referir “ao modo dos orientais”. Se, por um lado, dá assim conta de uma diferença tacitamente assimilada entre oriental e não oriental, por outro distingue dois níveis de entendimento do orientalismo, um académico-disciplinar, outro discursivo, isto é, como um estilo de pensar, descrever e representar os orientais. Estilo esse que décadas mais tarde serviria para sustentar o argumento de Edward Said de que o orientalismo assentaria numa “diferença ontológica e epistemológica estabelecida entre ‘o Oriente’ e (na maioria dos casos) ‘o Ocidente’” (Orientalismo, 2004, pp. 2-3). Essa diferença é, na crítica portuguesa oitocentista, também de natureza identitária, na medida em que o Oriente servirá amiúde como expediente de autognose, como instrumento de crítica interna. Na esfera literária, é claro o exemplo proporcionado por Wenceslau de Moraes. O exilado oferece (sobretudo em Relance da Alma Japonesa [1926] e Cartas do Japão [1902 a 1913]) uma configuração feminina do Japão como forma de celebração desse Oriente, no qual reconhece um modelo civilizacional que constituiria uma possibilidade de reabilitação e regeneração não apenas de Portugal, mas de toda a raça branca. Embora criticando a inércia da política colonial portuguesa no que respeita particularmente a Macau, o autor insurge-se, por diversas vezes, contra a empresa colonial, defendendo mesmo a sua abolição. Preocupa-o o seu efeito nocivo para a moralidade humana e é contra o exercício de violência – militar, administrativa ou de qualquer outra natureza – sobre os espaços coloniais; propõe antes uma intervenção direcionada para o comércio e a exploração dos produtos coloniais por via da ação centralizadora da metrópole.