Em retrospetiva, entre 1873 e 1973, pouco antes da Revolução dos Cravos e data do último Congresso Internacional de Orientalistas, realizado, tal como o primeiro, em Paris, como que em celebração de um ciclo centenário que terminava, os discursos portugueses sobre o Oriente, tomando como objeto os múltiplos espaços orientais marcados pela presença portuguesa, entrelaçam-se por via de afinidades várias. A mais constante é, sem dúvida, a prática de uma historiografia comprometida com a identidade da nação e o projeto de império passado, que dá conta de uma disjunção entre história (passado) e progresso ou especialização do saber. Pode assim falar-se em duas fases de orientalismo descontínuo: o professado nos séculos XVI e XVII, marcado pela idealização de um império, e o que se inicia no final do século XIX, firmado na consciência de um pioneirismo que abriu caminho à modernidade europeia, de que Portugal se sentiu injustamente arredado. O orientalismo em Portugal tem, assim, (sobre)vivido em estado de latência e com base numa relação de interdependência ideológica entre identidade nacional e História. Epistemologicamente interdisciplinar, assimilando contributos de outras áreas disciplinares mais sólidas (como a filologia, a história, a ciência das religiões comparadas, a antropologia, a arqueologia) e agregando subdisciplinas geoculturalmente mais circunscritas (estudos chineses, estudos japoneses, estudos de Sânscrito, etc.), o orientalismo beneficiou dos esforços envidados pelos seus agentes com vista à criação de uma comunidade interpretativa, que funcionou de forma descontínua e de acordo com os interesses de agendas pessoais, políticas e científicas.
A constatação que Luís Filipe Thomaz faz em 1996 de que, “[a] despeito de ser o país da Europa com mais longa experiência de contacto com os povos do Oriente, Portugal é, tanto quanto sabemos, aquele em que os estudos orientais estão menos desenvolvidos” (“Estudos árabo-islâmicos”, 2012, p. 13) é a mesma que os intelectuais orientalistas finisseculares exclamaram. Frustrando as tentativas empreendidas por esses orientalistas, nem mesmo um século seria suficiente para reverter a posição de Portugal. Projetos recentes como o Dicionário dos Orientalistas de Língua Portuguesa e o já mencionado Textos e Contextos do Orientalismo Português: Os Congressos Internacionais de Orientalistas (1873-1973) (PTDC/CPC-CMP/0398/2014) têm resgatado e dado visibilidade a essas figuras, individuais e coletivas, que fizeram Portugal participar nas redes de debate orientalista internacionais e reclamaram o protagonismo português na mediação das relações sobretudo entre a Europa e a Ásia nos séculos XVI e XVII.