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A produção literária, ensaística e jornalística de Herculano da metade da década de 1830 a meados da década seguinte foi composta no contexto de uma profunda transformação política e social. Após a Guerra Civil, desestabiliza-se a habitual posição do Clero como principal agente da cultura e da educação nacionais. Herculano percebe tal deslocamento e vê aí uma janela de oportunidade para promover junto ao público novas sensibilidades e práticas em que se pudessem ancorar de modo duradouro os valores e instituições da nova ordem liberal. Instrumental para tanto foi a adoção da forma do romance, bem como a aplicação desta a conteúdos da experiência pretérita. Em sinergia com novos suportes materiais e práticas editoriais, como a da publicação gradual de textos em folhetins ou a comercialização parcelar de livros sob a forma de fascículos, aquelas inovações formais amparavam um aumento sem precedentes das possibilidades de difusão conhecimento histórico. Disso tudo decorre a eficácia do romance histórico como instrumento para educar as classes médias nos valores do liberalismo político (Matos, Historiografia e memória nacional, 131-163). Mas Herculano abraça esse gênero literário menos para promover algo como uma revolução cultural do que para tentar facilitar uma conciliação entre liberalismo e cristianismo. Também por isso, na sua ficção os conteúdos, embora sejam enformados de maneira inovadora, refletem amiúde valores e visões passadistas de extração cristã-tradicionalista ou aristocrática (Saraiva, Herculano e o Liberalismo, 44-49; 148-152). Ao intento de harmonizar cristianismo e liberalismo junta-se a intuição de que era preciso renovar junto à audiência presente o sentimento de pertença à nação. Marcado – como se indicou – por manifestas intenções didatizantes, esse esforço renovador culmina numa significativa reconfiguração das relações de proximidade e distância entre passado e presente a que estava habituada a cultura histórica portuguesa. Retira-se atenção histórica e estética ao passado clássico, tão preferido por gerações anteriores e exaltado exemplarmente na poesia pastoral árcade. Na mesma toada anti-classicista, é contestada a importância das realizações culturais e políticas do período renascentista (Herculano, “Elogio histórico”, 111-114). Em compensação, seguindo o impulso medievalista de autores como James Macpherson e Walter Scott, Herculano contribui para promover uma valorização inédita do que se costuma tomar pelos séculos iniciais da nação portuguesa. Essa constelação de afinidades eletivas com o passado é característica, como se verá, não só da ficção, mas também os escritos de história de Herculano. |
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