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A valorização da Idade Média, todavia, não decorre apenas de um certo mimetismo de ascendência estética, mas também da percepção de Herculano de que havia reveladoras analogias entre o Portugal medieval e a conjuntura política e cultural inaugurada pela Guerra Civil. Em ambos os momentos, o cenário da experiência histórica não só era caracterizado por violências, paixões em excesso, riscos civilizatórios, mas também se associava a um certo sentido de pureza infantil, a uma abertura criativa para a modelagem de práticas e instituições. Tratar-se-ia, portanto, a despeito de todas as negatividades, de épocas propícias para a elaboração de identidades coletivas; para começos e recomeços históricos. No caso da Idade Média portuguesa, segundo Herculano, a tais dicotomias correspondia bem a ambivalência fundamental das crônicas do período, representações do passado em que se combinavam complexamente imaginação estética e pretensões à verdade factual. Originada de uma constelação histórica subentendida como análoga à do medievo, a ficção histórica de Herculano emula de maneira criativa a tradição historiográfica medieval e explora os potenciais decorrentes de uma hibridização, agora autoconsciente, dos registros factuais e ficcionais (Alonso, “Historia, conocimiento y narración”, 67-68). Uma das suas marcas distintivas é o objetivo de caracterizar de modo verossímil, quase-realista, a contextura sociocultural, os modos de pensar e sentir, as crenças e os costumes típicos de passados distantes. Herculano via-se como um cronista, mas não de eventos particulares; tencionava representar o “espírito” geral, os traços essenciais da “vida íntima” num dado momento histórico, em vez de atingir a verdade factual no que tange a detalhes episódicos e exteriores (Alonso, “Historia, conocimiento y narración”, 56-59). Assim, podia associar à caracterização contextual uma pretensão de objetividade relativamente forte, ao passo que se permitia um grau de liberdade ficcional incomparavelmente maior no manejo de ações e personagens. O sucesso da sua atividade literária e jornalística faz de Herculano uma figura célebre na vida pública nacional, levando por exemplo à sua nomeação, aos 33 anos, como sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa. Pari passu, ele experimenta um curto período de atuação parlamentar, entre 1840 e 1841, durante o qual coleciona desavenças e frustrações. Escaramuças ligadas ao projeto de ensino popular por ele co-elaborado e à sua oposição ao intento governista de extinguir a Escola Politécnica culminaram com o seu afastamento involuntário da Comissão de Instrução Pública (Saraiva, Herculano e o Liberalismo, 17-18; 115-132). Herculano então decide abandonar a Câmara de Deputados e, depois de publicitar na imprensa as suas posições derrotadas, acaba por se refugiar na pesquisa e na imaginação históricas, passando a buscar no passado nacional consolação para a sua desesperança na tumultuada política dos anos 1840 em Portugal. É nessa espécie de autoexílio da política do presente que ganham forma os seus romances históricos, bem como os quatro volumes do que viria a ser a sua magnus opus, História de Portugal. Anos depois, ele equipararia a experiência parlamentar a um “bestial pecado”, e explicaria que deste se teria buscado penitenciar com a “monomania de escrever a história desta terra com lealdade e consciência” (O monge de Cister, II, 340). |
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