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Herculano ainda anunciaria diversas vezes a retomada de trabalhos para a continuação da obra. Segundo relato do imperador do Brasil, fixado após um encontro pessoal com Herculano, boa parte do quinto tomo do livro já estaria escrita em meados de 1871 (D. Pedro II, Diários, XI, 19.06.1871). Esse volume, em todo caso, jamais chegaria a ser concluído, mas os volumes efetivamente publicados contêm mais do que uma narrativa diacrônica de eventos que se conclui com o relato sobre a morte de Afonso III. Em 2\3 do terceiro volume e ao longo de todo o quarto, a perspectiva dominante da História de Portugal passa a ser sincrônica e o foco expositivo é deslocado de eventos particulares para padrões sócio-políticos de cariz mais geral e repetitivo, identificáveis sobretudo em documentos legais. Trata-se agora, em primeira linha, não mais de apresentar o que aconteceu singularmente no passado, mas de compor com o auxílio direto da imaginação histórica o que o próprio autor designou de uma “topografia social” do Portugal dos séculos XII e XIII (História de Portugal, III, 401). (Poderiam ser traçados aqui elucidativos paralelos com as passagens de abertura de muitos dos seus escritos de ficção histórica, em que a imaginação é mobilizada para a caracterização de ambientes não só físicos ou arquitetônicos, mas também socioculturais). Um dos propósitos norteadores dessa segunda parte do livro de Herculano é o de fornecer a história da classe média em Portugal, entendida em sentido amplo enquanto um agrupamento social situado “entre a aristocracia e os servos da gleba” (História de Portugal, III, 382). Essa mudança de eixo analítico leva a uma história em que os personagens principais são entidades coletivas como instituições e classes sociais. Materializa, portanto, em larga medida, a inovação metodológica reclamada nas Cartas sobre a História de Portugal – ainda que o autor não tenha sido completamente bem-sucedido ao conectar os dois grandes níveis da sua análise (Martins, Portugal contemporaneo, II, 322-323). Vista em conjunto com textos que fortemente a inspiraram como as Lettres sur l'histoire de France (1820; 1827), do saint-simonista Thierry, e a Histoire de la civilisation en Europe (1828), de François Guizot, a parte sincrônica da História de Portugal é, em todo caso, um bom registro de que na primeira metade do século XIX autores muito significativos se recusavam a entender a escrita da história como a “narração exclusiva de dois casamentos, quatro enterros e seis batalhas” (Herculano, “Apontamentos”, 217). Não cabem, por isso, dentro do figurino do “positivismo historiográfico”, expressão ainda hoje amiúde mal usada na caracterização geral da escrita da história oitocentista. |
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