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Herculano via-se como continuador de uma tradição cujas origens ele próprio projetava na segunda metade do século XVII, nos trabalhos de eruditos beneditinos, o mais famoso dos quais foi Jean Mabillon – figura de proa na história da diplomática e da paleografia (“Solemnia verba”, 69-77). Também julgava que à sua época a vanguarda desse desenvolvimento intelectual se movera da França de Mabillon para a Alemanha de Leopold von Ranke, de Friedrich Carl von Savigny e de tantos outros historiadores que frequentemente aparecem citados nos seus escritos (Catroga, “A. Herculano e o historicismo romântico”, 54-55) – e, inclusivamente, de Heinrich Schäfer, autor do que qualificou como “o melhor livro que conhecemos relativo a história de Portugal” (História de Portugal, II, 618). Mas daí não se deve inferir que Herculano fosse um historiador unilateralmente germanófilo, pois a sua obra também documenta inúmeros elogios e remissões a adeptos da história crítica originários de diferentes tradições nacionais, como os italianos Michele Amari e Luigi Cibrario, os espanhóis Francisco Martínes Marina, Pascual de Guayangos e Tomás Muñoz y Romero, o britânico Thomas Macaulay, bem como a inúmero autores de língua francesa (“Solemnia verba”, 71; Bernstein, A. Herculano, 83 nt. 31, 90-91, 95-96). Ademais, cumpre salientar a larga continuidade existente entre os esforços crítico-filológicos de Herculano e os que marcaram as trajetórias de eruditos portugueses de gerações anteriores, tais como António Caetano do Amaral, João Pedro Ribeiro e o Visconde de Santarém. Desde pelo menos meados do século XVIII, a Real Academia de História e, depois de 1779, a Academia das Ciências – na qual atuaram todos os nomes por último citados, além do próprio Herculano – foram lugares institucionais particularmente importantes para a promoção de estudos, debates e publicações relacionadas à pesquisa documental. Assim, o padrão crítico que marca a conduta de Herculano para com as fontes a partir das Cartas sobre a História de Portugal não deve ser entendido como uma inflexão radical na trajetória da cultura histórica portuguesa; ou seja, como o efeito da ação inovadora de um único indivíduo inspirado exclusivamente por realizações estrangeiras. Em vez disso, representa um significativo ponto de maturação de um empreendimento erudito de feição coletiva e multi-geracional (Macedo, A. Herculano: polémica e mensagem, 13-21). Em 1842 estavam já formatados, portanto, uma diretriz interpretativa de caráter substantivo e um conjunto de ideais metodológicos e de práticas metódicas que poucos anos depois a História de Portugal viria a tentar pôr em prática. Herculano publicou os quatro volumes desta sua grande obra em 1846, 1847, 1849 e 1853, respectivamente. Nos dois primeiros e em boa parte do terceiro, a exposição está estruturada à maneira clássica de uma história diacrônica de eventos. Após passar em revista aspectos da experiência ibérica antes, ao longo, e depois do domínio romano, após tratar das invasões visigóticas e muçulmanas e das tentativas de reconquista da península pelas forças cristãs acuadas, Herculano passa a encadear detalhadamente os eventos que, na sua visão, foram decisivos para a formação nacional, a começar da oferta do Condado Portucalense por Afonso VI, rei de Leão e Castela, a Henrique de Borgonha, em 1096. A partir desse ponto, o texto passa a se escorar muito intensivamente em fontes documentais. A isso corresponde uma inovação paratextual: além das notas de pé de página contendo as referências, Herculano introduz notas explicativas ao final de cada volume. Nessas notas, são abordados detalhes referentes à autenticidade, confiabilidade e interpretação das fontes referidas, sem prejuízo à fluidez do corpo do texto. A narrativa de Herculano passa pelos eventos que culminaram na independência em relação a Leão e Castela e na coroação de Afonso I, em 1139, e segue até o fim do reinado de Afonso III, em 1279. Interrompe-se aí para não mais ser retomada, diferentemente do que tencionara originalmente o autor – o que é atestado pelo título da obra e pela periodização que consta das Cartas sobre a História de Portugal (Mattoso, “Prefácio”, x-xi). |
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