Faculdade de Letras da Universidade do Coimbra (1911-1974)
6 / 20
Neste paradigma, a História era uma pura ciência, «une science comme la physique, ou comme la géologie», como havia afirmado Fustel de Coulanges (1830-1889) por volta de 1875 (François Hartog, Le XIXe siècle, 1988, p. 358). O método de cada disciplina, embora salvaguardando as especificidades, caracterizava-se pela subordinação aos factos, como impunha o monismo metodológico. Mesmo na História da Cultura, «sem a caça paciente e lúcida dos factos, todas as construções serão frágeis e precárias», como considerava Joaquim de Carvalho em 1927 (Obra completa, I, 1978, p. 337). «A filosofia natural de Oitocentos», relembra o mesmo docente em 1930, foi «o império da objectividade e do amor do facto, confiante num mundo em si mesmo cosmos, isto é, ordem, e na eternidade de algumas verdades» (ibidem, p. 355). Como disse T. Soares, por volta de 1950, referindo-se a Fustel de Coulanges e repetindo o que a geração anterior já havia afirmado em Coimbra, a História «não consiste senão em verificar os factos, analisá-los, aproximá-los e marcar-lhes o lugar». Mas reconhece em Fustel de Coulanges, naturalmente, um espírito de síntese, isto é, «uma concepção filosófica da História, nomeadamente a da História das Instituições», o que não encontra em outros autores, como G. Barros (História da administração, tomo I, 1945, p. XI). Recorde-se que do programa para doutoramento em Ciências Históricas e Geográficas para 1917-1918 faziam parte temas como «noção de facto histórico e critérios para a sua determinação», para além de outros problemas que indiciavam bem uma «teoria» da História.
A influência deste paradigma reforça-se através do modelo do historicismo alemão. A «narração detalhada», a «exposição rigorosa dos factos, por muito condicionados e carentes de beleza que sejam», havia sido arvorada por Leopold von Ranke (1795-1886), já em 1824, como «lei suprema do historiador» (J. J. Carreras Ares, Razón de Historia, 2000, p. 222). A escola alemã, de resto, influenciou, geralmente, os historiadores profissionais de então, e nomeadamente os portugueses através do desenvolvimento das relações culturais com a Alemanha a partir pelo menos de 1923. Assim, por exemplo, M. Lopes de Almeida, em 1927-1929, foi Leitor de português em Hamburgo e Mário Brandão desempenhou idênticas funções em Hamburgo e Berlim, de 1925 a 1928, o mesmo sucedendo a outros futuros professores da Faculdade. Esta política cultural de leitores e de missões no estrangeiro, apoiada pela Junta de Educação Nacional (1929-1936) e abrangendo o país, não podia deixar de ter consequências.