Faculdade de Letras da Universidade do Coimbra (1911-1974)
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De Cerejeira, por exemplo, Sílvio de Lima chegou a afirmar, antes do confronto de ideias que o vitimou em tempo de intolerância e de nova depuração, que entre as múltiplas qualidades profissionais do colega contava-se «a prudente atitude crítica que o levava a verificar antes de afirmar, certíssimo como está das paixões humanas adulteradoras dos factos» (Moreira das Neves, O cardeal Cerejeira, 1948, p. 199). E de Mário Brandão, por exemplo, basta considerar a forma como transcreveu os documentos e a fundamentação minuciosa do texto, atitude extensiva aos colegas coetâneos, para de imediato se ajuizar da sua probidade. Mas nenhum investigador, que me recorde, foi ao ponto de passar uma certidão comprovativa da exactidão dos documentos transcritos, recorrendo à autoridade do secretário da Universidade, como fez António de Vasconcelos em 1897, então lente de Dogmática, ao publicar Francisco Suárez, manifestando a mesma preocupação, já director do Arquivo, em documentos que publicou no Anuário da Universidade de 1900-1901 (p. 186). E no estudo biográfico que começou a publicar de Brás Garcia Mascarenhas em 1912, reunido em volume dez anos depois, repete: «É todo elaborado sôbre fontes seguras e autênticas, que escrupulosamente citamos, ou que reproduzimos em apêndice, de forma que qualquer leitor possa fàcilmente verificar a exactidão, e aquilatar a legitimidade das nossas afirmações e conclusões» (p. 6). Segurança no pormenor, de modo a permitir o contraste, que igualmente vamos encontrar em Salvador Dias Arnaut, pertencendo já a uma terceira geração de historiadores, ao recorrer o médico à opinião de outros médicos legistas, para descrever, em A crise nacional dos fins do século XIV (1960), o assassínio de Maria Teles em Coimbra pelo filho de Inês de Castro, D. João. Como considerava, «o método de uma história clínica é análogo ao da História» (S. Dias Arnaut, «Oração …», Biblos, 41, 1965, p. 373-374).
Vale a pena recordar que embora os factos fossem «dados inamovíveis», a história principiava a partir daqui, a qual pressupunha uma teoria, como lembrava em 1947 Lucien Febvre (1878-1956), combatendo a história que não era a sua. Pressuposto teórico que a história tradicional também admitia ao recorrer a «ideas generales e hipótesis en la construcción histórica» (J. J. Carreras Ares, Razón de Historia, 2000, p. 148-149). A ideologia não podia deixar de estar presente, como actualmente se reconhece nos historiadores de regime, ou nos que foram capazes de alcançar a síntese, ultrapassando o investigador, para usar uma terminologia do tempo ensaísta de António Sérgio (1883-1969). Toda a historiografia, de resto, é ideológica, o que não impede a sua cientificidade.