Nos estudos históricos em Portugal, a história da historiografia foi durante muito tempo um campo marginal enquanto aproximação específica dotada de certa autonomia. Mas, a par do que sucede noutros países europeus, tem despertado nos dois últimos decénios largo interesse entre os historiadores portugueses, tendo-se afirmado como uma área em estreita conexão com a história cultural. Resulta de uma longa tradição: os historiadores e ensaístas portugueses sempre valorizaram a história da história, do final de Setecentos à actualidade. Em que sentidos evoluiu esta meta-história?
Já nos princípios do século XIX, o iluminista abade Correia da Serra , um dos fundadores da Academia Real das Ciências (1779), traçava uma perspectiva crítica sobre os estudos históricos em Portugal no século XVIII: “Parmi les histoires des peuples européens, celle des Portugais est peut-être une des moins avancées; non qu’il y ait disette d’ouvrages sur cette matière, mais les ouvrages sont les échos les uns des autres, et dans le dix-sèptieme siècle surtout un certain esprit fanfaron s’était emparé des historiens de toute la péninsule espagnole. Une autre maladie historique, qui consiste à inventer des fables au lieu de constater des faits, s’était manifestée au seiziême siècle en Italie (...): elle infecta les Espagnols (...) et se communiqua par là aux historiens portugais” (“Coup d’oeil sur l’état des sciences et des lettres...”, in Adrien Balbi, Essai statistique..., 1822,CCCXLVI). Formado no espírito racionalista das luzes, Correia da Serra fora um dos impulsionadores da investigação na Academia das Ciências em Lisboa. Compreende-se assim o seu interesse pela memória histórica - considerava-a “absolument nécessaire”, convicto que estava de que ela poderia explicar as leis e costumes nacionais. No âmbito desta Academia, desenvolveram-se investigações e inventários de arquivos (1788-1795) e chegou a pensar-se na produção de uma história de Portugal renovada (lembre-se contudo que na Academia Real da História Portuguesa, fundada em 1720 e desparecida em meados do século se afirmara já a ideia de uma história de Portugal com uma nova dimensão corográfica). Pretendia romper-se com uma tradição anterior de uma história associada à retórica e à eloquência, que se limitava a glosar anteriores trabalhos. Afirmava-se, ao invés um paradigma de história-ciência fundamentada em acervos documentais.