Se é um facto que conceptualizações políticas moldaram a escrita da história, também é evidente que em muitos casos esses parâmetros são, em si mesmos, de todo insuficientes para explicar a singularidade de um pensamento histórico. Tome-se a noção de historiografia liberal. Um estudo atento dos diversos historiadores que se podem subsumir sob este rótulo mostra que estão longe de coincidir sobre o modo como consideravam as tradições das origens da nação, os conceitos de povo e cortes. Assim, por exemplo, ao invés de Herculano que, adepto de um ideário descentralizador, foi um dos principais teorizadores da ideia muito negativa da monarquia absoluta, Luz Soriano considerava que a monarquia portuguesa sempre fora representativa e não despótica, com cortes deliberativas. Também em relação à tradição mítica das Cortes de Lamego (inventadas a partir de um documento apócrifo do século XVII), os dois historiadores tinham posições distintas, Herculano denunciando a sua falsidade e Soriano sublinhando a sua funcionalidade social. Poder-se-á admitir a existência de uma master narrative, de um cânone liberal, na historiografia portuguesa do século XIX? É discutível. Mais apropriado será falar de diferentes estratégias narrativas no quadro da galáxia liberal. É verdade contudo que no contexto desta galáxia se construiu uma memória dos vencedores da Guerra Civil (1832-34) que opôs liberais, partidários de D.Pedro IV, e absolutistas, adeptos de D.Miguel. E que a memória dos vencidos foi minoritária não tendo produzido nenhuma obra histórica relevante (ao contrário do que sucedeu em Espanha).
Em Portugal, sobretudo durante o longo tempo de vigência do Estado Novo, as posições políticas polarizaram-se em extremo, no apoio ou, pelo contrário, na oposição ao regime ditatorial. O campo historiográfico também exprimiu estas divergências. Houve a este respeito estratégias distintas por parte dos historiadores em relação aos poderes. Contudo, não se verifica uma correlação necessária entre concepções historiográficas e tendências políticas e filosóficas. Exemplos significativos que confirmam isso mesmo são as obras de Paulo Merêa, Jorge Borges de Macedo ou António José Saraiva. O primeiro, conservador no plano político, foi um crítico do positivismo e um inovador no campo da história jurídica e das instituições. Os dois últimos, muito marcados pela concepção marxista de história nos anos 40, dela divergiram em momentos diversos (Macedo nos anos 50, Saraiva nos anos 60) construindo obras singulares que renovaram a história cultural e literária (veja-se, por exemplo, a História da Cultura em Portugal, 1950-62, dirigida por Saraiva e a História diplomática portuguesa,1987, de Macedo, que integra uma pluralidade de dimensões da problemática histórica: económica, política e diplomática). Jorge Borges de Macedo teve aliás um relevante papel a partir dos anos 60 no estudo de cronistas e historiadores portugueses como Damião de Góis, Pedro de Mariz, Rebelo da Silva, Alberto Sampaio e historiadores do século XX caídos no esquecimento por diferentes razões como Lúcio de Azevedo, Marcelo Caetano e Ruben Andersen Leitão.