Importa explorar os intercâmbios de ideias com outros historiadores, nacionais e estrangeiros, bem como as intertextualidades com outras obras historiográficas, por exemplo, a recepção dos Annales em Portugal. O Dicionário de Historiadores Portugueses (1779-1974) contribuirá decerto para aprofundar o conhecimento do pensamento destes autores e a relação entre a história e outras ciências humanas. A relação do antropólogo brasileiro Gilberto Freyre com a cultura histórica portuguesa é um exemplo que importa conhecer melhor.
Aspecto que tem sido ignorado nos estudos de caso de historiadores e da historiografia diz respeito aos modos de afirmação e de legitimação de cada um deles. Como e onde se estrearam nas suas investigações? Qual a relevância de periódicos na sua estreia e afirmação como autores? Em que redes de sociabilidade se inseriram? De que genealogias intelectuais se reclamaram? Herdeiros e produtores de memória histórica, alguns historiadores construiram também as suas próprias memórias, escreveram sobre o tempo da sua formação, dos outros, dos seus colegas nos bancos da Universidade e de seu ofício. Alguns responderam a inquéritos e entrevistas (a partir de 1988, sob o título “Espelho de Clio”, a revista Ler História iniciou a publicação de uma série de depoimentos de historiadores portugueses). Outros, como se viu, traçaram balanços sectoriais sobre a historiografia portuguesa, por áreas de estudo. Importa ainda considerar como se auto-nomeia um historiador. Como representa o seu lugar no campo historiográfico nacional e europeu? Insere-se em alguma rede? Que genealogia intelectual reclama para si? Entre os historiadores portugueses do século XX, dois casos são a este respeito exemplares. Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011) ocupa na historiografia portuguesa do seu tempo um lugar aparte. Também pelo modo como se auto-nomeia. Num dos seus mais marcantes livros, Godinho referia detalhadamente no seu curriculum os autores portugueses e estrangeiros que exerceram influência na sua formação: António Sérgio, Jaime Cortesão, Duarte Leite e Veiga Simões (portugueses) e, “entre os estrangeiros, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Georges Gurvitch, Marcel Bataillon e a obra de Marc Bloch”. Estabelecia o propósito do seu enfoque teórico: “... contribuir para forjar uma metodologia histórico-estruturalista, que tem raízes em Marx e na corrente de pensamento dos ‘Annales’ de Bloch e Febvre” (Estrutura da antiga sociedade portuguesa, 1977, p.5). Desenvolveu considerações críticas sobre a Faculdade em que se licenciou em História e Filosofia (onde foi fugazmente professor em 1942-44) e sobre outros ambientes universitários e de investigação onde trabalhou.