Dominava a ideia de que a obra de Herculano constituira uma ruptura com a historiografia anterior na medida em que, no quadro de uma exigência de fundamento documental, se distanciara das mitologias de fundação e sobretudo inaugurara um método crítico e científico. Em 1972, inspirando-se num conceito do filósofo marxista L.Althusser, Barradas de Carvalho considerava mesmo que a sua obra constituira uma “revolução epistemológica”, diferenciando-se de toda a cronística e historiografia anterior. Borges de Macedo (Alexandre Herculano, polémica e mensagem, 1980), sem se referir a Barradas de Carvalho, viria contudo a rever esta interpretação, situando Herculano na tradição de estudos que remontava pelo menos à Academia das Ciências e ao conceito de história-ciência que era cultivado por historiadores a ela ligados (João Pedro Ribeiro e António Caetano do Amaral, entre outros). Sem situá-lo nessa tradição seria impossível compreender a sua obra.
Questão subjacente a esta e que está presente, de modos diversos em historiadores como Magalhães Godinho, Barradas de Carvalho e Joel Serrão, é a da relação entre história, política e intervenção cívica, problema nuclear para se compreender a própria historiografia liberal. Em que medida o historiador , assumindo-o ou não, é cidadão e permeável a programas doutrinários? Para Jaime Cortesão e outros historiadores republicanos da primeira metade do século XX, o ofício do historiador era indissociável da cidadania. Compreende-se que, no final dos anos 60, num tempo em que o nacionalismo cultural do Estado Novo entrava em crise, numa perspectiva de conjunto em que procurava compreender a historiografia contemporânea portuguesa, Joel Serrão valorizasse a atitude política dos historiadores na classificação das correntes historiográficas (“Para uma perspectiva da historiografia portuguesa contemporânea (1800-1940)", s.d. [1971]). Serrão distinguia a historiografia de inspiração liberal, a interpretação dos historiadores eclesiásticos que antecederam Herculano (alguns ligados à Academia das Ciências), a historiografia republicana e a historiografia tradicionalista que se afirmou desde a I República, em larga medida como reacção a este regime. Mas será pertinente classificar tendências historiográficas a partir de correntes de pensamento político mais ou menos estruturadas?