Este tipo de reflexões caiu no esquecimento e só seria retomado nos finais do século passado. O que não surpreende: até ao decénio de 1950, muitos historiadores portugueses – sobretudo os mais próximos do regime autoritário de Salazar – cultivaram um enraizado nacionalismo cultural retrospectivo que se alimentava de tradições forjadas no Antigo Regime. Refiram-se, entre outras, a identificação essencialista dos Portugueses com os Lusitanos, o plano da Índia (a ideia de que a descoberta do caminho marítimo para Índia teria sido planificado já pelo Infante D.Henrique) e a mítica Escola de Sagres, em que supostamente se teriam formado os marinheiros portugueses do século XV. A primeira era uma mitologia das origens, as últimas sublinhavam o pioneirismo dos Portugueses nos descobrimentos ultramarinos. A História de Portugal dirigida por Damião Peres (1928-35), ainda muito marcada por um nacionalismo cultural e historicista constituiu um momento significativo de afirmação da historiografia profissional. Mas a relação entre historiografia e memórias surge já na avaliação crítica dos ritualismos históricos promovidos pelo Estado Novo nos anos 40, separando inequivocamente os campos da história e do comemorativismo (V.Magalhães Godinho, Comemorações e história...1947). Apesar do enquadramento oficial, no Congresso do Mundo Português (1940) e mais tarde no Congresso Internacional de História dos Descobrimentos (1960) surgiam, contudo, alguns contributos científicos válidos.
Não por acaso, nos anos de pós II Guerra Mundial vinham à luz novos balanços críticos da historiografia portuguesa, um deles da autoria de um jovem historiador que submetera ao crivo da crítica a instrumentalização da história pelo tradicionalismo do Estado Novo: Vitorino Magalhães Godinho. Godinho partiu para Paris em 1947 após uma curta mas muito significativa passagem como professor pela Faculdade de Letras de Lisboa. Num artigo publicado nos Annales (1948), identificava duas áreas em que a historiografia portuguesa estava particularmente carenciada: a história económica e a história social. Foi um primeiro momento relevante (mas veja-se também A crise da história e as suas novas directrizes, 1946, posteriormente incluido nos Ensaios III) na afirmação de um pensamento de matriz racionalista, global e coerente sobre teoria e metodologia da história, sem esquecer a sua função social, sempre tendo em conta o paradigma de historiador-cidadão que fora o de Herculano. Poucos anos depois (1955), num detalhado balanço crítico, notava a existência em Portugal de “uma tradição rica” de estudos históricos, embora considerasse que a investigação atravessava então uma crise - ou seria antes crise do regime do Estado Novo? Seja como for, Godinho identificava os entraves que estariam na origem dessa crise da historiografia, destacando as atitudes dos historiadores perante a vida, a ausência de “ambiente científico”, a situação negativa dos arquivos, os métodos de construção do trabalho histórico e o seu deficiente ensino (“A historiografia portuguesa do século XX, Ensaios III, 1971 [1955], 242).