1. “Dirigentes da Nação”. Género plástico por inerência, moldável por concepções historiográficas diversas tanto quanto pelos ideários que lhes pudessem subjazer, na biografia espelharam-se bem as hesitações e ambiguidades que atravessaram a escrita da história durante os primeiros decénios da centúria, dos ensaios autoritários da primeira fase à consolidação do regime estado-novista. Não se alterara muito o panorama anterior. Em clima de forte instabilidade, ainda que com roupagens diversas, encontrava-se no retrato de vida o veículo ideal para a publicitação de novas e velhas ideologias. Geralmente sob formato reduzido, as biografias continuaram a multiplicar-se ao ritmo da agitação política. Poucos anos antes da instauração do novo regime, José de Agostinho, divulgador por excelência do Republicanismo, editava na Biblioteca Democrática a sua “Galeria republicana”. No ano zero da República, era a vez de o jornalista e bibliófilo Rodrigo Veloso, condiscípulo de Antero, dar início a várias séries (em edição própria) determinadas pelas categorias em que colocava as personagens eminentes do seu tempo: juristas, beneméritos, bibliófilos, parlamentares, jornalistas. Pouco anos passaram até que, em clima de regeneração nacional e fazendo jus à tradição democrática de elevação das massas, se editassem outras colecções dedicadas aos homens de letras e de pensamento da nação, como “Os nossos escritores”, de novo por J. Agostinho, ou “Patrícia”, da Diário de Notícias, onde o jornalista e bibliófilo Forjaz de Sampaio faria sair numerosas e curtas biografias sobre personagens maioritariamente contemporâneas. O perfil dominante do autor deste tipo de obras tornava-se, no entanto, e ao contrário da relativa indefinição que até aí se verificara, mais distintamente o do publicista e amador e menos o do erudito. A esse teremos de o procurar, porque assim o foi determinando a progressiva delimitação do labor historiográfico e do estatuto do historiador, entre aqueles que encontraram no passado mais remoto a sua matéria de eleição.
Prenúncio desse divórcio – porque de alguma forma o foi durante boa parte do regime estado-novista – é precisamente, numa primeira fase, o interesse tendencialmente exclusivo que universitários e outros eruditos dedicaram a figuras do passado, reclamando-se, enquanto historiadores, como os únicos habilitados a validar as suas versões da história nacional (e, por consequência, a julgar os seus protagonistas).