É sugestivo que, à expressa e gradual substituição dos actores deste tipo de literatura, com um decréscimo do protagonismo das figuras régias e militares em proveito daquelas ligadas às artes e à cultura em geral – excepção óbvia feita, antes de mais, à vulgarização patrocinada pelo Estado –, não tenha sucedido evidente abrandamento no ritmo de publicação, à parte, é evidente, o que se fez sentir no volume das edições em geral nos anos imediatamente em torno de ‘74. Colecções especificamente biográficas, tendencialmente debruçadas sobre percursos de intelectuais, foram dadas à prensa pela Seara Nova (“Biografias”), Cosmos (“Biografias), Sá da Costa (“Os portugueses no mundo”), Bertrand (“Vidas portuguesas e brasileiras”), Presença (“Biografia de bolso”), Excelsior (“Grandes vultos da história da humanidade”), para além das muitas que frequentemente integraram obras do mesmo tipo (como a “História de Portugal”, da Empresa Nacional de Publicidade, ou a “Biblioteca breve”, já nos anos ’70, pelo ICLP). A entrar a segunda metade da centúria, as editoras sentiam o pulso ao público consumidor de biografias, em especial daquelas propriamente históricas, e – a julgar pelos textos inaugurais de algumas dessas colecções – reconheciam-lhe um interesse crescente no género. Cada vez mais dominadas por figuras da cultura, porém, o seu conteúdo era já menos expressamente marcado pelo ideário dominante, ainda que quase sempre celebrativo. Assim convinha ao gosto popular e ao sentimento nacionalista que, com tanto sucesso, a historiografia, e em particular o género biográfico, ajudara a cimentar.
2. “Grandes e humildes”. Reconhecida a dimensão potencialmente formadora e mesmo propagandística do discurso sobre o passado – em que o género biográfico ocupava a linha da frente –, viu-se a comunidade de historiadores perante duas situações que, em vários sentidos, condicionavam quer a projecção pública quer a autonomia da disciplina: por um lado, o denso povoamento do seu campo específico de trabalho por autores oriundos de outras áreas socioprofissionais ou, tão-somente, amadores; e, por outro, um mercado editorial (também reflectido nos curricula escolares) dominado por leituras da história “pátria” de teor pesadamente ideológico. Não é que tenha ficado sem resposta esse claro predomínio dos curiosos de temas históricos ou autodidactas na publicitação, em especial, de leituras globais da história portuguesa. Mas o regresso paulatino do historiador à arena pública, passadas algumas décadas de tendencial isolamento, não foi, nem talvez pudesse ter sido, isento de pretensões ideologizantes.