Não sendo por isso nova, e confrontada que fora com um domínio de décadas, sobretudo prático, das teses voluntaristas mais extremadas – aquelas que, em ambiente autoritário, opunham a vontade individual à irracionalidade das massas –, esta questão ganha no entanto, em meados da centúria, novo vigor. No interior da academia, sim, mas já não limitado pelo espartilho da prática puramente metódica, recomeçava-se a pensar o lugar da biografia na interpretação histórica. (J.B. Macedo, 1951, pp.27-31; A. Herculano, “Cartas sobre a História de Portugal. Carta IV”, [1842])
Que neste contexto acabemos por identificar, entre alguns dos praticantes do género, académicos de formação marxista não constitui fenómeno singular. Por um lado, o exercício biográfico abria as portas a uma discussão sobre os lugares relativos do individual e do colectivo que servia ao debate ideológico de fundo, de resto na linha das teses positivistas. Por adoptar aquilo a que chamou o “método sociólogo”, Vítor de Sá, por exemplo, podia “contrapor” ao “Antero-Antero”, estudado a partir de si mesmo, ao “Antero-produto-dum-meio”, ponto contingente de intersecção dos grandes processos sociais. A preferência clara destes autores por pensadores e literatos adaptava-se bem à precedência de princípio que se atribuía às condições exteriores sobre a acção individual, o modelo do estudo da vida e obra, por ironia típico da concepção radicalmente elitista da história literária e da arte, constituindo a sua via de acesso à observação das condições sociais ou dos grandes processos históricos. Esses percursos individuais não deixavam, em qualquer caso, de ser reconhecidamente relevantes – como em António José Saraiva (em particular, nos vários textos que foi redigindo sobre Fernão Lopes), Óscar Lopes (que, para além do obras maiores, também participou na já citada edição de Os grandes portugueses) ou Fernando Lopes Graça, todos com parte da sua investigação dedicada à vida e obra de figuras eminentes da cultura portuguesa. (V. Sá, Antero de Quental, 1963,p.22)
Reflectia-se bem, por outro lado, nesta selecção de objecto a adaptação do registo de vida quer ao ideário quer às metodologias de base marxista.
Não foi, de todo, estranha a alguns daqueles de matriz esquerdista uma concepção vanguardista da história, em que determinadas personagens, pelas suas qualidades particulares, eram vistas como “líderes” ou “intérpretes” (na política como nas letras) de movimentos ditos de fundo – mas também, como na versão mais convencional da biografia, como “lições” ou exemplos “práticos” para as gerações vindouras.