Género multifacetado, avesso a demarcações disciplinares e ponto de encontro de metodologias e modelos de diverso recorte, à biografia histórica é difícil emprestar uma unidade e, assim mesmo, uma autonomia que a façam merecer uma reflexão mais demorada sobre o seu lugar específico na história da historiografia portuguesa. E, no entanto, dada a exponencial multiplicação dos seus produtos nas últimas décadas e, sobretudo, a sua eleição como bandeira da viragem tradicionalista que tem recentemente vindo a marcar a historiografia (também) em Portugal, essa reflexão parece necessária.
Neste clima de renovação, ou revisão, historiográfica, muito se tem dito sobre a recuperação do género biográfico, durante décadas supostamente “esquecido” ou mesmo “desprezado” pela doxa académica dos grandes esquemas interpretativos e analíticos. Fácil será, por isso, reconhecer neste discurso o desenho de um modelo ideal de biografia que, de resto, alguns dos seus mais distintos praticantes explicitamente defendem. Aí, encontramos uma preferência acentuada por personagens com percurso público relevante (político, diplomático ou militar, e, por essa razão, maioritariamente masculinas) e o recurso a metodologias individualistas que reconhecem na vontade e na razão particulares o motor da acção histórica. A prática, porém, é avessa a modelos únicos.
De facto, apesar da aparente matriz tradicionalista do exercício biográfico, um olhar mais abrangente sobre a escrita biográfica ao longo de todo o período contemplado por este Dicionário apresenta-nos um quadro bastante mais complexo que a paisagem pouco sombreada desse modelo ideal.
Será verdade que as grandes figuras – do herói militar e régio à versão democratizada do grande homem, mais própria da segunda metade de Oitocentos – dominaram sempre a escrita biográfica em Portugal.