Identificamo-lo, sobretudo, entre alguns daqueles que mais foram tocados e adoptaram os novos temas e metodologias desenvolvidos no âmbito da Nova História. Aí encontramos os exemplos mais próximos da biografia de tipo “modal” (G. Levi), em que personagens ditas “médias” servem de via de acesso à reconstituição de processos, períodos ou categorias sociais, mas sobretudo – porque raramente aos protagonistas a historiografia retirou excepcionalidade ou poder de intervenção na marcha histórica – as concretizações mais acabadas da capacidade generalizadora do retrato de vida. O exercício não era novo: a alguns períodos e fenómenos da história portuguesa, e não apenas na tradição metódica, se havia frequentemente acedido através de ‘pequenos’ e grandes nomes, como Mário Brandão nos trabalhos sobre o Tribunal da Inquisição ou o Visconde de Lagoa no projecto de reconstituição, por colecção exaustiva de vidas entre “grandes e humildes”, da história da expansão nacional para Oriente. Não eram, nem seriam, ainda os marginalizados de facto da história, nem sequer, em rigor, as personagens “médias” que se diluíam no contexto, mas aqueles, representativos, que a historiografia apenas secundarizara em favor dos seus maiores: assim com os parlamentares esquecidos de Oliveira Marques, o Tristão da Cunha que Banha de Andrade via como forma de reconstituição da política e administração do século XVI, ou os mercadores e banqueiros que, em Virgínia Rau, conviviam com o perfil mais convencional de Dª Catarina de Bragança. (Giovanni Levi, “Les usages de la biographie”, 1989, p.1329; B. Andrade, História de um fidalgo quinhentista português, 1974, p.14)
Neste modelo – ou nas variações que sobre ele se foram compondo – entroncou uma parte significativa e relevante da produção biográfica do terceiro quartel do século. Mas modos diversos de biografar, mesmo no restrito ambiente académico, continuaram, e continuam, a coexistir. Por norma mais prática que reflexão, o retrato de vida nunca se situou em território definido, ou sequer foi presa consistente de um modo particular de fazer história. Terá sido género predilecto, sim, entre aqueles adeptos de uma visão mais tradicionalista do passado, onde também figuravam os colaboradores da refundada APH e os herdeiros do longínquo historiador-clérigo. Mas dos seus mais ilustres representantes, como Queirós Veloso, Banha de Andrade, Armando Cortesão, Teixeira da Mota, Virgínia Rau, Avelino de Jesus da Costa, Veríssimo Serrão ou Oliveira Marques, foi sintomaticamente díspar o lugar em que se situaram, fosse em termos teóricos, institucionais ou ideológicos.