Que aos historiadores académicos tenha cabido, por estes anos, uma boa parte da contribuição para o esforço de coesão nacional, através da rememoração e da reabilitação de temas e nomes passados, será apenas o decurso lógico dessa definição do seu estatuto de intérprete autorizado. Assim o percebeu, por exemplo, a experimentada editora Ferin, ao entregar a colecção “Grandes vultos portugueses” a António Baião, um dos futuros fundadores da conservadora Academia Portuguesa da História, o qual se fez acompanhar (também como autor que foi de uma biografia sobre Afonso de Albuquerque) por Brito Rebelo, Manuel Sousa Pinto, Laranjo Coelho, Francisco da Costa Cabral e Damião Peres, outro dos fundadores da APH, mais tarde agraciado com uma condecoração pública em pleno Estado Novo e cuja biografia aqui publicada sobre D. João I veio a assinalar o início da sua carreira. Virada para um público alargado e, por isso, necessariamente simplificada, da série reclamava-se contudo o respeito pelo espírito crítico da tradição (erudita) em que as obras e os seus autores se situavam. Essa declaração de intenções – embora, na prática, nem sempre respeitada – era, no entanto, fundamental. Nela assentava a consciência da linha fina que, no género biográfico, dividia a ficção da realidade, a mera curiosidade do trabalho de investigação. Mas, acima de tudo, ela ecoava o que de mais específico a disciplina histórica encerrava – o seu método –, como elemento distintivo e validador das leituras apresentadas. O receio, muitas vezes explicitado, de artifícios literários como aqueles utilizados por O. Martins nas suas obras maiores, continha, porém, tanto de prurido metódico quanto de crítica a interpretações da história nacional menos alinhadas com o espírito celebrativo e regenerador das glórias passadas. (Álvaro Dória, A rainha D. Maria Francisca de Sabóia, 1944, pref. [p.14]; Carlos Maurício, A invenção de Oliveira Martins, 2005, pp.64-77)
Este receio não era novo: nas repetidas chamadas de atenção dos autores para o carácter não romanceado das suas obras percebia-se, desde há décadas, ora um recurso retórico que sustentaria a credibilidade de versões politicamente implicadas, ora o sinal de uma evidente preocupação na aplicação das regras mais estritas da crítica histórica, mesmo quando condicionada por questões candentes da política nacional.