Pelos fins políticos que esta releitura da história nacional e dos seus governantes também comportava, nem sempre – como em João Ameal, o mais prolixo destes autores – a posição metódica que a respaldava se traduziu na rejeição liminar dos recursos literários, especialmente destinados ao consumo do grande público, de que na biografia se tinha vindo a fazer uso. Mas as obras produzidas neste contexto encontravam noutro tipo de leitor, mais culto, o seu interlocutor preferencial – e na Casa Real, ou nos dirigentes máximos da nação, as suas personagens de eleição: em 1934, Caetano Beirão publicava a biografia (que dizia de “revisão histórica”) de Dª Maria I, obra contemplada com o Prémio Alexandre Herculano do SPN; dois anos volvidos, saía a lume D. João III, de Alfredo Pimenta, primeiro e único volume de uma série sugestivamente intitulada “Biblioteca de revisão histórica”, da Livraria Tavares Martins, destinada a “reabilitar as figuras dos governantes supremos [da Nação]”. Seguir-se-lhes-iam, já na década de ’40, Eduardo Brazão com um estudo sobre a figura e o reinado de D. João V, na colecção “Histórica”, coordenada por Damião Peres; o musicólogo e historiador da música Mário de Sampaio Ribeiro, com uma obra sobre a rainha Dª Leonor; Hipólito Raposo, com a biografia de Dª Luísa de Gusmão; ou João Ameal, que, entre outros, agora na colecção “Rainhas e Princesas de Portugal”, por si dirigida e de novo editada pela Tavares Martins, fazia sair Dona Leonor: “Princesa Perfeitíssima”. Ainda que menos preocupada em atingir um público muito vasto, de acordo com uma ideologia anti-massificadora, a edição destas obras conheceu relativo e mutável sucesso – a biografia de Caetano Beirão, por exemplo, ao contrário da abortada colecção de “Revisão histórica”, mereceu quatro edições no espaço de dez anos. (J. Cortesão, “A história e o historiador”, [1959(?)], p.5; João Ameal, Dona Leonor, 1943, pp.v-xv; Alfredo Pimenta, D. João III, 1936, “Pródromo” [s.p.])
Não foi, porém, neste modelo, demasiado erudito para o leitor médio português, que se sustentou a esmagadora maioria da produção biográfica, mesmo nos anos iniciais do regime estado-novista. Entrado já o segundo quartel do século, pertenceu aos vulgarizadores e publicistas propriamente ditos, regra geral amadores, a dianteira no resgate do passado. Nesses, antes de mais, veio a encontrar o próprio aparelho estatal, na sua versão mais autoritária, alguns dos mais eficazes propagadores da sua mensagem, sobretudo em suporte biográfico.