Esse envolvimento cívico no acto de biografar, mesmo que sobretudo dirigido aos seus pares e ao público universitário em geral, terá em grande medida sustentado a significativa produção biográfica de autores como Vítor de Sá: desde a dissertação de licenciatura, dedicada a Amorim Viana, passando pelos trabalhos de fundo sobre Antero de Quental, até, já no período pós-revolucionário, às obras em torno de figuras do Liberalismo oitocentista. Não anulava esta universalmente partilhada predilecção pelas grandes personagens a leitura holista que era cunho destes trabalhos. Assim com António Borges Coelho, em especial na caracterização que ao longo dos anos fez do processo expansionista.
A primeira incursão no género biográfico, em meados de ’60, ainda nos primórdios da sua carreira, fizera-a com o retrato de Alexandre Herculano, publicado na colecção “Biografia de bolso”, da Presença; só nos anos ’90 se tornaria a debruçar longamente sobre uma personalidade de sua eleição, João de Barros, ou, dobrado o século, D. João de Castro (sugestivamente, na série “Biografias”, da insuspeita Caminho). Não houve, porém, neste aparente intervalo, como nesta aparente abertura a personagens convencionais, qualquer novidade. Uma observação mais atenta do trabalho do Autor revela interesse por grandes e pequenos, por aqueles que apodreceram esquecidos nos cárceres da Inquisição como por aqueles que guiaram o movimento da Expansão, todos – como sempre disse – “gente de carne e osso”, cujos nomes, perfis e acções povoam a sua obra. (v. José Neves, “Marxismo”, neste Dicionário; V. Sá, A mocidade de Antero, 1942, pp. 11-12, e Antero de Quental, 1963: 9-24)
Ao invés de outras historiografias, como a italiana ou a francesa, não se dedicou até hoje em Portugal a atenção e o protagonismo àqueles ‘anónimos’ que as novas correntes de meados do século pareciam anunciar. Na tradição marxista, ainda que, a espaços, essa massa anónima tomasse forma, aquilo que no próprio campo da biografia se contrapôs ao modelo dominante foi, acima de tudo, uma revisão de versões anteriores à luz de uma concepção de história concentrada nos grandes processos e menos uma subversão de fundo dos critérios que determinavam o protagonismo das grandes figuras.
Esse exercício foi, no entanto, esboçado pela mesma altura, conquanto, do ponto de vista de uma reflexão sobre a hierarquização dos agentes históricos, limitado no seu alcance.