Sobre esta posição ‘aliterária’, ou mesmo ‘anti-literária’, assentava a pretendida neutralidade a que, entre outros, apontava João Lúcio de Azevedo na sua presumida desmistificação dos vários discursos em torno da polémica figura de Pombal. Respaldava-o toda uma tradição crítica, largamente alimentada pela pesquisa biográfica, em que se inseriam quer os textos pesadamente eruditos de revistas especializadas (como o Arquivo Histórico Português, a Revista de História ou O Instituto) e seus prolixos autores (entre outros, Pedro de Azevedo, Anselmo Braamcamp Freire, Sousa Viterbo e Brito Rebelo), quer as obras de maior alcance, que desde logo encontramos com abundância nas histórias literária e da arte ou em historiadores como Carolina Michaëlis de Vasconcelos, António de Vasconcelos ou o já citado João Lúcio de Azevedo. (L. de Azevedo, O Marquez de Pombal e a sua época, 1909, pp.7-8)
As possibilidades encerradas neste trabalho de revisão, a despeito do progressivo fechamento da comunidade historiográfica sobre si mesma, eram demasiado óbvias para que a elas se não fosse buscar armas para o debate político. Não por acaso, veio a obra de Lúcio de Azevedo sobre o Marquês de Pombal a ser reeditada pela Seara Nova/Renascença Portuguesa, em 1922, passada uma década sobre a sua aparição. No Integralismo Lusitano como na Renascença Portuguesa, e nas correntes suas subsidiárias, o ideal de regeneração do corpo nacional passou, em grande parte, pela consideração do valor exemplar dos heróis do passado, os “dirigentes” dos destinos da nação a quem tão facilmente assentava, como conviria a Jaime Cortesão numa primeira fase, “o conceito épico e hipertrófico” de Carlyle. Na corrente monarquista, em especial, o discurso de reabilitação dos “governantes supremos” do país alimentará uma parte substancial da sua produção historiográfica, embora as suas obras de maior expressão no campo biográfico, confortavelmente encaixadas no ideário vigente, surjam já avançados os anos ’30 do século. Ao contrário, porém, da tradição republicana de ilustração geral, a revisão da história a ser montada sobre a posição monarquista estribou-se menos no princípio da divulgação e elevação do seu público que na fundamentação histórica das pretensões ao restabelecimento do antigo regime. Isso passava, em termos mais imediatos, pelo retrato legitimador dos últimos campeões do Absolutismo (acima de todos, D. Miguel) e, de forma estrutural ou metódica, pela crítica às teses (ditas) decadentistas de fim-de-século e à história-arte em que elas, sobretudo no retrato das grandes figuras, assentariam.