1. O nome. Solicite-se uma noção coerente e estruturada de «cultura». Um estudante de ciências exatas, aplicadas e experimentais, em regra tenderá a relevar a linguagem físico-matemática da cultura técnica e científica; se estudar humanidades relevará divergente tendência para identificar cultura com criações filosóficas, historiográficas, artísticas, literárias, nas falas e suportes materiais, gramáticas e simbologias, pois linguagem alguma textual ou não respira fora da sua legibilidade. Daqui a aporia de uma síntese, em linhas, que pense a cultura e a sua história. No tramito dos sécs. XIX e XX, etnologia, antropologia (Tylor, Wissler, L. White) e sociologia (Durkheim), na social legacy evidenciaram complexas lotações culturais comunicativas, educativas, coercivas (repressoras: Rousseau, Nietzsche, Freud, Lacan), que P. Bourdieu leu no habitus teórico, tensão resistente / superadora da historicidade de um sistema de representações simbólicas facultada pela interna ordem / deslocação dos signos.
Ao comentar o bíblico episódio da expulsão, o Paraíso Perdido, Kant vislumbrou na cisão Natureza / Cultura a transgressão do instinto (base do «processo civilizacional» sondado por N. Elias, El Proceso de la Civilizácion, 1987), específico momento antropológico autofundador e superador de uma preestabelecida «harmonia natural», conquanto tomasse o ser humano “consciência da razão como faculdade para ultrapassar os limites onde se detêm os outros animais”(Ideas para una historia universal, 1994, p. 61; Sala, Teoria de la Cultura,1999, p. 25). Examinando o rasgo kantiano em Fenomenologia do Espírito, Hegel mobilizou antes a dialética Natureza / História (sondada como discrepância por Nietzsche, Foucault, Ricoeur) e no insuperado limite sintético – a não ser pela entrada posthegeliana e metahistórica do deos ex machina da utopia –, achou a via desimpedida para a cisão hermenêutica ente Natureza e Cultura. C. Lévi-Strauss escavando a antropologia cultural das sociedades proto-históricas leu a apreensão mítica da oposição entre «natural» e «artefacto» cultural, campo semântico integrador de termos como «organização», «hierarquia», «culto», «trabalho» e o seu caráter hominizador (das Teses sobre Feuerbach de Marx; a Elias, H. Arendt). E se, na incisa asserção de Cícero, no étimo cultus ancora a paideia grega e o ideal autoformativo do logos; doutro modo se diferencia o radical da cultura agri (ager, natura) da cultura animi (do espírito), pois a si o Ser se dá a cultivar. A alteridade porém insiste no paradoxo da correlação latina (ars, raiz de «arar», ofício, artifício) e grega (artys, «construção», poiesis, casa): na semiologia da cultura se irmana o campo artístico, incindível pois análoga ars disserendi, criativa dialogia, dela participa (Archer, «Para uma arqueologia do conceito de cultura», 2006).