Aos factores da comum identidade, forjada em violentas «políticas culturais» (Expansão, Inquisição, Index prohibitorum) – católicos (reino fidelíssimo); europeus e cosmopolitas (mais do «mundo» do que «continentais»: ia-se mais facilmente a Goa do que a Braga, afirma Gorani no séc. XVIII); a forte atração hispânica das letras sentida entre o siglo de oro e o séc. XVII) –, variáveis se aliam que singularizam no Antigo Regime identidades rurais e regionais, pequenas pátrias: Entre Douro e Minho, de fecundíssima propagação, a Transmontana frágua; Beiras quintãs da nobreza rural e das letras em Coimbra; o Sul comercial e agrícola do Tejo e o empório marítimo de Lisboa a definir a Estremadura, Alentejo a desbravar, Algarves industriosos, as Ilhas errantes entre o velho e o novo Mundo. Refrações do Volksgeist, o herderiano «espírito do povo», enquanto objetos dos discursos eruditos, sintaxes míticas de identidades fixas em circuito fechado, elucidou Sousa Santos («11/ 92…», Via Latina, 1991, p. 58), “são as ideias gerais de um país sem tradição filosófica nem científica. O excesso mítico de interpretação é o mecanismo de compensação do défice de realidade típico de elites culturais restritas, fechadas (e marginalizadas) no brilho das suas ideias”.
Se a difusão da imprensa e do livro, dos caminhos-de-ferro e o Estado normativo e unificador (código, escola, prisão, asilo) re-forçam a consciência «cultural» da identidade, não admira que só no séc. XIX, máxime post 1870-90, a invocação cultural tenda entre nós a ter maior expressão, articulada no espaço ibérico, e não só no contexto da afirmação historiográfica, no momento em que se aclara intenso debate nacionalismo / iberismo nas elites intelectuais e se busca fundamento histórico e cultural para legitimar o império, mas também pelo modo como se elege em XIX do século da História (G. Menod, Revue Historique, 1876), marcado pelo «excesso da História», mitificando origens e sucessividade, acusa Nietzsche, facultado por novas condições sociais e técnicas, educativas e informativas, da criação e comunicação dos bens culturais. Avança hoje o exame do modo como, sob o signo nacionalista (1880-1974), o debate historiográfico e mediações pedagógicas, científicas (congressos, simpósios) e sociais (comemorações, hagiografias cívicas), polariza a invenção de identidades e tradições e potencia comunidades imaginadas (Hobsbawm; Gellner, A. Smith; Catroga, S. Campos Matos).