Só no séc. XIX, ou finais de XVIII, na Europa se potencia a luta pela autonomia cultural, não já pela velha alforria dos corpos intermédios. A francocêntrica civilization voltairiana e a germânica Kulturkampf, «luta pela civilização», serão nos prolegómenos romântico e idealista o desafio cultural à própria ideia de civilização material (Elias, Teoria Simbólica, 1994), mediando representações do particular e universal, do concreto e abstrato, do empírico-sensível e inteligível, matriz que a afirmação dos Estados-nação europeus traduzirá por diversas formas, mas mais acentuando as culturas e particularismos nacionais.
3. Limites. Problema outro é o de catalogar teores, limites e formulações históricas de uma identidade e cultura pátria, no caso, portuguesa. Por certo acha mediações empíricas anteriores à formação moderna do Estado-nação, na prerrogativa medieval unificadora da escrita e seu ensino nos Estudos gerais dionisinos que sobreleva identidades exclusivas, regionais, estamentárias. Nas crónicas do séc. XV o crescente estatuto subjetivo do narrador não perde o sentido unívoco da circulação significante –> significado, só o humanismo de XVI altera a função do signo (A. J. Saraiva, O que é a Cultura?, 1994, p. 148; sobre Foucault, As palavras e as coisas, 1975), abrindo a cultura à diversa expressão da unidade. A autonomia político-militar do Reino medievo, vassalidade e crença na ancestralidade comum («lusitana», Garcia de Resende), avocam-se desde a historiografia de XIX, na origem latina; visigótica; sueva (S. Silva Pinto, G. Azevedo); ou, com Herculano, na resistência concelhia e moçárabe face ao Islão; ou, com O. Martins, T. Braga (moçarabismo, «lirismo tradicional»), na aculturação celta de culturas primitivas, nortistas (A. Sampaio), sulistas (A. Sardinha). A Martins , “parecia-lhe terem raízes célticas os nomes próprios de lugares, de pessoas e divindades da Lusitânia, e de ser essa a origem do génio português, no que ele tem, dizia, de «vago e fugitivo»; no heroísmo lusitano, o que ele revelava de «nobreza»; nas «nossas letras ou no nosso pensamento, uma nota profunda ou sentimental, irónica ou meiga» por oposição ao «carácter afirmativo», à «fúria», e aos caracteres específicos da civilização castelhana que, ao contrário da portuguesa, seria «violenta sem profundidade»” (História de Portugal, 1879, evocado por Mattoso, A Identidade nacional, 1998).