Aspecto decisivo, conquanto Carvalho sonda e escreve em pleno século da epistemologia (E. Mach, Dilthey, Meyerson, B. Russell, Brunschvicg, Bachelard, G. Canguilhem,. Popper,, A. Koyré, Cavaillès, Piaget, depois Althusser, Kuhn, Foucault, Suppe), emergente da dupla explosão do saber científico desde meados do séc. XIX – marcada pelo evolucionismo e as teorias da relatividade (1905; 1916)– e dos debates intensos, em sede gnosiológica e da teoria da ciência, do materialismo monista ao positivismo lógico, do estruturalismo e marxismo à restituição kantiana e ás filosofias da Existenz. Tudo isto caracterizou também o crescente interesse das ciências sociais, mormente dos estudos humanísticos e filosóficos, pelas proposições científicas e pela historicidade dos seus próprios fundamentos, conceitos e conclusões, num longo debate que simetrizava «verdade» e «progresso científico», reacendendo a aporia filosófica do devir e do passado humano e melhor estimulando, nessa interrogação, os estudos historiográficos. Como se sumaria no local adequado a história da cultura, tal como Carvalho metodicamente a entendeu e construiu (Bildung), só se possibilitaria na mais larga visão filosófica que disciplinasse numa racionalidade hermenêutica os diversos campos do saber – da história da ciência à história da literatura e à história da filosofia – e daí a exigente instância em que constituía uma historiografia à qual respostas sectoriais dos diversos campos do saber eram essenciais mas assim, per si, insuficientes.
A vastíssima erudição, à maneira documentalista e bibliológica de J. P. Ribeiro e Herculano, a verificação do contributo filológico, na herança de Carolina Michaëllis, a lição das fontes e seu exame minucioso na linha da escola metódica, a sagesse crítica, a episteme autoconstrutiva, se o saber é criação e invenção humana, fizeram de Carvalho o representante universitário de uma qualidade então em vias de extinção nas escolas – a do clerc, sábio que não se sacrifica na ara pública à politique d´abord e que arca o rasgo de independência mental e ética contra sopros vários dos ventos totalitários e marés ditatoriais que assolavam a Europa post 1917-1922. Pioneiro inegável da História das ideias, ao gizar a confederação dos estudos culturais sob a égide historiográfica e ao reforçar a base filosófica que lhe escora o pensamento, Carvalho exige a episteme correlacional e global para a fenomenologia da cultura sem a qual qualquer esforço é parcelar e parcial. Sob o seu influxo em Coimbra, e à sua revelia, se nutriu o ensaísmo de E. Lourenço e o magistério de Sílvio Lima; em Teoria da História, este irá testificar a aptidão relacional e racional de interpretação, na sua capacidade tradutora de uma “arquitetura mental” (Hegel).