O heterodoxo percurso do apóstata do socialismo real (de Dicionário Crítico, 1960, a Maio e a Crise da Civilização Burguesa; 1969-70), assinala-se na última fase vincada tendência para a «semente da subjetividade», gnosticismo e misticismo no qual o sujeito antropológico irrompe como “pobre buscador do absoluto” (História e Utopia, 1991; O que é a cultura?, 1993; 2003: “O homem apenas substituiu a palavra Deus pela palavra natureza, pela palavra razão”), visão que o acerca do paradoxal «profetismo» de Agostinho da Silva (1906-1994), autor de marcantes leituras a partir do locus pessoano, Um Fernando Pessoa (1959), Reflexão à margem da literatura portuguesa (1958) que, após textos e edições críticas de Gaspar Simões, Jorge de Sena, A. Casais Monteiro, e antes de J. do Prado Coelho, G. Rudolf Lind, dialoga na hermenêutica essencialmente nova que E. Lourenço elege (1973; 1983, 1986) no poeta de Mensagem e heterónimos. O achamento exegético de F. Pessoa, que a Presença (1927-40) veiculara com difícil visibilidade e pública adversidade, é uma das grandes tarefas a que a renovação crítica e ensaística e especialistas da literatura deitaram mãos (M.ª Aliete Galhoz, L. R. Guyer, E. Prado Coelho, T. Rita Lopes, R. Zenith, M. P. da Silva, Silvina R. Lopes) concorrendo a visão da filosofia da linguagem e da filosofia mesma (R. Jakobson, 1973, G. Deleuze, J. Gil, 1999) e livrando o poeta do anonimato a que parecia condenado, alvo platónico do fogo-cruzado aristotélico entre o nacionalismo «pragmático» e o internacionalismo «realista».
Também para a nova cena, sob o ponto de vista da história da cultura, influiu Joel Serrão (1919-2008), em edições comentadas de Pessoa (Cartas (.) a Armando Cortes Rodrigues, 1945; Portugal – Introdução ao problema nacional, 1978, Da República. 1910-1935, 1979; Ultimatum e páginas de Sociologia Política, 1980) e ensaios (F. P. Cidadão do imaginário, 1981). A posição singular que ocupa na historiografia da cultura contemporânea, na segunda metade do séc. XX, decorre das abordagens sociológicas da cultura, literária incluída (após um período ligado à história económica e técnica) que ensaia em Temas de Cultura Portuguesa (II vols, 1960-65 e Temas Oitocentistas (II vols, 1959-62) cujo plano metodológico começa aqui a ser explorado («Para a história cultural do século XIX português») no propósito do estudo antinómico dos «grupos sociais», “isso mesmo: rotina e inovação – na ferramenta do trabalho quotidiano; no suporte lógico do pensamento; na linguagem que o exprime; nas reações afetivas e conflitos peculiares; na ação e na passividade; nas ideias, nos sentimentos, no querer, no agir; nas correntes ideológicas (sobrevivências do passado, necessidades do presente, aspirações do futuro)” (I, p. 45).