5. «Cultura nacional». A vaga iluminista cedo foi subsumida por uma burocracia cultural que a degrada em apostilhas universitárias. O movimento das ideias que precede e acompanha o Liberalismo em 1820 e 1834 não seria estranho a esse anelo à constituição de uma República das Letras que regenerasse a cultura e nela a sociedade portuguesa. O romantismo e o sema tolerante que lhe munia a mundividência – não se omita o impacto formatado e repressor que o tribunal de fé figurou no espaço cultural ibérico ao longo de três séculos – acharam na História o papel paidêutico da cidadania liberal, matizando perspectivas excessivamente abstratas e cosmopolitas típicas das vulgatas iluministas do séc. XVIII.
Silvestre Pinheiro Ferreira, em quem Herculano via o mestre, escreveu «Reflexões sobre o método de escrever a história das ciências, particularmente o da Filosofia» (1844) na linha das suas preocupações sobre filosofia da linguagem e linguagem filosófica («Considerações sobre a gramática Filosófica», 1813, Essai sur la Psychologie, comprennant la théorie du raisonnement et du language, 1826), induzindo Joaquim de Carvalho no arrolamento analítico da historiografia filosófica (1946) a examiná-lo mais como filósofo ligado ao «espírito de sistema» do que historiador das ideias. Rareando monografias, será notável o magistério de história da filosofia no antigo Colégio das Artes ao abrir, em contraciclo, as bases filosóficas da inquirição da cultura que não abstraía de ampla base racional e disputa metafísica. Nova sensibilidade literária e historiográfica nascerá para o conhecimento dos costumes dos povos e das suas especificidades linguísticas (romances) e psicológicas.
A historiografia cultural ainda vem longe, mas o veio paidêutico que o romantismo abre com Almeida Garrett (Da Educação, 1829), em “intuição genial” perscrutando as “entranhas portuguesas” (O. Martins, Portugal Contemporâneo, II), apela à mediação das mitologias nacionais (Catroga & Archer, Sociedade e cultura portuguesas, 1996); conquanto invenções e ideações das culturas nacionais ao longo do séc. XIX não iludam a falha de práticas culturais consistentes e continuadas. «Arte nacional» só se dicionariza nesse século e também o termo «cultura nacional» só à época se vulgariza: a cultura popular, amassada no chão lendário do cultivo Romântico, é eleita por Garrett no Romanceiro, Cancioneiro Geral e D. Branca, por Herculano em Lendas e Narrativas e no romance histórico, modalidade de índole intimista ou psicohistória do quotidiano. Se a ficção, no dramalhão histórico e diegese romanesca exauridos pelo ultrarromantismo, solicitava buscas e leituras, perdia porém na fantasia narrativa e no cânone de género qualquer plano de método.