Paradigma do inquérito institucional, é da História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal que no ocaso de XIX nasce o filão do estudo de culturas até aí marginais em termos historiográficos mesmos, judaicas, islâmicas (M. dos Remédios, A. Baião, J. Lúcio de Azevedo, C. Michaëllis, J. de Carvalho, Israël Révah, A. J. Saraiva, A. Borges Coelho, etc). O texto de Herculano (e Cartas sobre a História de Portugal) será o fundo da obstinada diagnose de Antero de Quental, Causas da decadência dos povos peninsulares, a uma sociedade que no desprezo à liberdade condena o sigo histórico da sua cultura e expectativas de «reforma». Daí que a Geração de 70 e o Programa de trabalhos para a geração nova, gizado nas Conferências Democráticas, proponha uma «revolução cultural» como didática superação dessa pólis, entre a cidade e as serras, balburdiana e apática na sua (in)consciência cultural que Eça de Queirós magistralmente talhou em Abranhos e Acácios.
Se o historiador Oliveira Martins (1845-1894) explorou vias interdisciplinares (Catroga, «A Historiografia de Oliveira Martins», 2001), mobilizou perspetivas culturais da história senão já uma singular conceção da história da cultura. Muitas páginas, mormente da Biblioteca das Ciências Sociais, caracterizam um modelo de aproximação ao estudo comparado da cultura, momento hegeliano da superior objetivação do Spiritus. Nos excursos na história das religiões e das ideações teológicas, deísticas e metafísicas, sob a influência de D. Strauss e E. Renan, como em O Helenismo e a Civilização Cristã (1880) e Sistemas de Mitos Religiosos (1882), analisa o momento histórico da cisão racional do determinismo antropológico (meso-etnológico) operada na relativa indeterminação histórica (acaso, emergência dos grandes homens) que só o recurso a uma tipologia de fundo psicoconstitutivo, o génio cultural, explicaria. Assim, viu no vértice da historicidade o triunfo da razão e expressão consciente do pensamento, pois a abstração da espécie e a metafísica da Lei, presas na noção categórica da Moral, fundam a razão humana (Oliveira Martins, Elementos de Antropologia,1987 (1880), pp. 164-65) sobre a massa instintiva e inconsciente. No caso, o cunho particular da civilização ibérica advém da mescla das culturas «primitivas» e das “ideias indo-europeias” (Oliveira Martins, História da Civilização Ibérica, 1885,p. XXXIII). E se no final da vida subverte os termos em que colocara a questão (A. J. Saraiva, Para a história da cultura em Portugal, 1946, I), abonando o apelo à reincarnação do inconsciente colectivo, não invalida a trama complexa de factores culturais que decidem o pathos da nação, síntese afetiva de uma história. Mas ao colocar a história num plano epistémico intermédio e mediador entre as ciências positivas e a metafísica, fora de qualquer mimetismo metodológico e científico, visando a apreensão evolutiva das diversas civilizações (embora “a compreensão sistemática da história” não consinta “a ideia de uma evolução rectilínea e progressiva em todos os seus pontos”), mobilizaria o saber das ideias e produções culturais como elemento central do estudo do “progresso da humanização do Espírito” (Oliveira Martins, O Helenismo e a Civilização Cristã,1985, pp. 1-20); assim, a História de Portugal (1879) cessa na interrogação: “crepitará latente e ignota a chama de um pensamento indefinido ainda?”.