7. Historiografia da cultura, ou a cultura como investigação histórica. Após o precursor Curso Superior de Letras (de 1858-61), a reforma republicana que cria as Faculdades de Letras (III-1911) reconfigura o impulso objetivo nos estudos historiográficos. Pela primeira vez, há condições para os grandes e dispersos ramos humanísticos não só se autodisciplinarem (Ciências Filológicas, Clássicas e Modernas; Ciências Históricas; Ciências Filosóficas, subsumindo a Psicologia) mas para contratualizarem bases lógicas e metódicas dos liames de sentido epistémico e pedagógico.
O plano de Verney, relido por L. Mouzinho de Albuquerque (1823), encontraria terra para se espraiar. Só é possível esboçar o movimento nos seus andamentos mais nítidos e marcantes: será Joaquim de Carvalho (1892-1958) quem primeiro e claramente melhor formulou a pergunta metodológica que a história da cultura suscita, ao exigir a transdisciplinariedade analítica e hermenêutica, indo ao patamar historiográfico mais exigente, o da episteme mesma que a esclarece e o da mais sólida formação filosófica que a discute. Mas se avalizava o esforço neokantiano, mormente de Marburgo, que funda a moderna epistemologia (Wissenschaftslehere, traduzido em inglês por epistemology) ao refutar panlogismo e taxilogia extensiva e analógica científico-natural no campo nosológico das ciências humanas, J. Carvalho escavou a via metódica mas não a teorizou, aberta já por H. Cohen; P. Natorp e E. Cassirer, usufruindo (com Dilthey) da eidética para desembargar a gnosiologia das explicações cientistas e aclarar aporias do conhecimento (Erkenntnisproblem) nos diversos campos das Ciências e da Filosofia, testando-as à luz englobante da Weltanschauung, «visão do mundo» cuja vivência (Erlebnis) daria o quadro compreensivo (mais do que explicativo) da atividade espiritual – que fizesse uma leitura coerente e consistente que a mole das representações artísticas, filosóficas, científicas, na caoticidade fragmentária ou na disciplinar ortodoxia, não permitiria. Assim, seguiu na via de uma história das ideias à qual, com propriedade, dotou os fundamentos e a aspiração a uma «ciência do rigor», como a exemplaridade de Husserl na convergência filosófica sugeria.