Perecia-lhe, em visão assubstancialista da cultura não isenta de alguma inferência ôntica, que a indagação histórica e cultural, como qualquer forma do saber, fosse cego encadeamento de factos e datas, personagens e obras, antes kantiana ideação do espírito entre conceitos livremente inventados. O papel nuclear de Sérgio – com Raul Proença, o pensador que na coacta cena portuguesa melhor interpelou o cerco à cultura democrática, ele mesmo piêce de résistence dentro da resistência intelectual ao Estado Novo –, não omite a indução assertiva do polemista e o jogo de espelhos no qual a sua imagem antecipadamente se sobrepõe. Lograria o maior desenvolvimento o confronto do ensaísmo de Eduardo Lourenço (n. 1923) com o racionalismo de matriz sergiana, por em grande parte marcar a agenda da investigação, antes e após “a fuga simbólica para o imaginário imperial” (Portugal como destino,1999, p. 56): Heterodoxia (I, 1949) é inegável pertença dos que a contre coeur Menéndez y Pelayo assinala no chão ibérico propenso à mística, e que elegem a heresia sobre a aridez monológica à qual só os épicos ousam escapar ou, como Lourenço, «místicos sem fé». O ciclo aberto em O Labirinto da Saudade (1978), «psicanálise mítica do destino português» (e a discussão inacabada a que deu azo, leia-se de J. Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir, 2004) já anunciado em Heterodoxia II (1967), continuaria em Portugal como destino (1999), A Nau de Ícaro (1999), enquanto em Nós e a Europa (1988), O Esplendor do Caos (1998) ou A Europa Desencantada (1994) debate trilhos construtivos à comunidade sobre os escombros da sua mitologia profética.
Tema fundamental do seu ensaísmo, a cultura, imagologia, dédalo projetivo e prospetivo de hetero e autorrepresentações, “discurso crítico sobre as imagens que de nós temos forjado” (O labirinto da saudade, 1978, p. 52), pois tal como as imagens «as ideias têm a sua sombra» (Poesia e metafísica, 2002, p. 70), molda-se numa espécie de «historiografia existencial», como refere (2000), refratária a justificações apodíticas: “a minha leitura da cultura portuguesa, em geral, do seu sentido, do seu funcionamento, tem pouco a ver com uma leitura sociológica. O simbólico é invisível para o olhar sociológico, pelo menos enquanto a sociologia continua, implícita e explicitamente, vinculada à ideia durkheimiana de que os«factos sociais são coisas» e como tais susceptíveis de leitura «científica»” (Lima, Existência e filosofia: o ensaísmo de Eduardo Lourenço, 2008). A recusa ao lugar da verdade, e esse o espírito da heterodoxia, implica a prévia “recusa das perspetivas que pretendem deter a verdade sobre ela” (Gil & Catroga, O ensaísmo trágico de Eduardo Lourenço, 1996, p. 17), trágica aporia de uma comunidade que em mediações e figurações intelectuais angaria clientes nostálgicos da ortodoxia, qual seja.