4. Da Erudição às Luzes. À revelia de hagiologias e genealogias que firmavam os poderes na tradição histórica eclesiástica e dos grandes, erudição e enciclopedismo têm saliente papel na gestação de uma consciência cultural letrada e elitista. Escoltando o movimento das Academias, desde o séc. XVIII (embora décadas depois agonizante, a Academia Real da História funda-se em 1720) reportórios fixam e codificam a consciência e alçada linguística ou inventariam materiais bibliográficos.
No primeiro caso, a lexicografia de R. Bluteau, Vocabulário português e latino (1712-1721; 1727; nos arcaísmos ampliado no Elucidário de Viterbo, 1798), ou Fonseca (1771) e Ramalho (1855), enquanto Morais (1789), Constâncio (1836), Domingos Vieira (póstumo, 1871) e outros, dicionarizam o português falado e erudito. No segundo, na via dos grandes repositórios humanistas de XVI, De Auctoribus Scientorum ou Bibliotheca Universalis, também entre nós se gizou no séc. XVII o inventário erudito e ad usum delphini dos escritores portugueses no contexto da alegação da autonomia histórica (materializada em Monarchia Lusitana), política e cultural face aos Filipes, plano um século depois vertido por Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana (1741-58), coleção “de todas as siencias cultivadas pelos engenhos Portugueses” e “Theatro Litterario” das suas “maiores figuras”. O autor confirma goradas ou sumidas anteriores tentativas, de F. Galvão de Mendanha, M. Severim de Faria, M. de Faria e Sousa, F. Manuel de Melo, J. Soares de Brito, A. Caetano de Sousa. Inventário dilatado, atualizado e corrigido, em meados de XIX, no Dicionário Bibliográfico Português, de Inocêncio F. da Silva, ultimado por Brito Aranha, à medida que o movimento gramático (ideado ainda à maneira da taxinomia aristotélica) e repositórios primem a consciência letrada da pertença cultural.
Projetos de instrução pública nascem timidamente num país onde, ainda em 1900, o analfabetismo ronda 80%. Entretanto, coleções autónomas e a História e Memórias da Academia Real das Ciências (I série, 1779-1839), sobretudo Memórias da Literatura, excursam a história da literatura, da linguística e do direito (Torgal, Mendes & Catroga, História da história em Portugal, 1996, pp. 29-31), indagando e reforçando elos pertinentes e cadeias periféricas de jurisdição semântica a uma cultura criada literalmente nos e pelos centros letrados.