Aplicando o conceito de nacionalismo à modernidade que se afirma a partir das revoluções liberais no espaço atlântico, consideram-se aqui as complexas relações entre a escrita da história e os nacionalismos num tempo marcado por processos de nacionalização com características diversas, procurando responder às seguintes perguntas: qual foi a relação entre historiografia e nacionalismo no Portugal dos séculos XIX e XX? Hoje, pode observar-se em algumas regiões da Europa uma tensão entre nacionalismo e uma noção de história-ciência, mas esta tensão existia já no século XIX e a primeira metade do século XX. Há uma singularidade portuguesa a este respeito? Que posições críticas contribuiram decisivamente no sentido da autonomização do campo da história em relação aos ideários nacionalistas e ao campo do poder? Qual o lugar da historiografia como possível instrumento de nacionalização? Importa ainda considerar diversos momentos na afirmação da centralidade do conceito de nação no discurso historiográfico e na relação deste último com os nacionalismos.
Na fundação da Academia Real das Ciências, no final do século XVIII, quando dominava uma ideia racionalista de progresso entre as elites intelectuais marcadas pelo espírito das luzes, delineou-se um programa pragmático de cultivo da história. Nesta sociedade apostava-se nas ciências da natureza mas também na economia e nas ciências do homem. Quando na Europa culta estava em voga um conceito de história que exigia pesquisa documental, o Abade Correia da Serra, um dos fundadores daquela Academia, homem cosmopolita e viajado, exprimiu a intenção de aprofundar o conhecimento da nação, com um propósito utilitário: “O conhecimento do que uma nação é, e do que pode ser, pelo que tem sido, é dos mais úteis para a sua felicidade, e só pode esperar-se dos esforços unidos de um corpo tal, como a Academia” (C. da Serra, “Discurso preliminar”, J.L.Cardoso, Portugal como problema, vol. V, 2006 [1789], p.214) . Universalismo e lealdade patriótica coexistiam numa elite ilustrada que estava em contacto com a República das Letras europeia.
Herdeiros desta tradição ilustrada, os primeiros liberais que se afirmam na imprensa periódica de Londres ainda antes da revolução de 1820, longe de pretenderem romper com a tradição histórica, intentaram conciliar presente e passado, nação e monarquia, nação e religião católica.