Mas no que respeita à relação dos historiadores com uma memória histórica mais recente, é bem evidente uma divergência entre os dois países. No Portugal de Salazar, o estudo da chamada época contemporânea era desaconselhado. Por exemplo, Magalhães Godinho não pôde estudar o pensamento de Oliveira Martins e, com raras excepções anteriores (caso de Joaquim Barradas de Carvalho), teses de licenciatura dedicadas ao século XIX surgiram já em plena década de 60, sob a orientação de Silva Dias (em Coimbra) e de Borges de Macedo (em Lisboa). Muito raros foram os doutoramentos em todas as especialidades históricas. Na década de 1940, nas universidades de Lisboa e Coimbra, houve apenas duas teses de doutoramento defendidas em História, nenhuma delas correspondendo aos séculos XIX e XX; no decénio de 1930, o número total de teses defendidas em Portugal tinha sido de 5, no de 1950, 4 e no de 1960, 3 (Doutoramentos da Universidade de Lisboa, 1972 e J. P. Avelãs Nunes, A História Económica e Social..., 1995, p. 262). O que mostra bem a política de não investimento do regime de Salazar na Universidade e na investigação científica, em flagrante contraste com a forte aposta numa política de doutrinação nacionalista bem patente num programa sistemático de comemorações históricas (caso do duplo centenário de 1940 e da Exposição e grande Congresso do Mundo Português ou das comemorações do centenário henriquino de 1960 entre muitas outras ritualizações). Já em Espanha, entre as 117 teses de doutoramento defendidas entre 1940 e 1950, 10 incidiram sobre temas relacionados com o século XIX, números que atestam uma outra escala da própria universidade.
Em Portugal, enquanto objecto de estudo, o tempo contemporâneo foi considerado impuro pelos historiadores “arquivistas” que dominaram o panorama historiográfico nacional nos finais do século XIX e primeiros decénios do século XX. A ausência de distanciação inibia-os de escreverem a história de um passado recente que, a seu ver, devia ser imparcial. Mas esta não deixou de ser cultivada por historiadores e divulgadores republicanos e liberais (caso dos colaboradores da História do Regimen Republicano em Portugal, 1930-32, de Luís de Montalvor, ou dos trabalhos de Carlos Ferrão). Em contrapartida, Alfredo Pimenta, um tradicionalista que apoiou o Estado Novo e foi sobretudo medievalista, chegou a considerar que a historiografia que incidia no tempo posterior ao século XV deixava de ser história para ser política e jornalismo (A.Pimenta, Estudos filosóficos...,1930).