Empregamos aqui o conceito de nacionalização num sentido amplo “de qualquer tipo de proceso cuyo resultado fuera la identifcación de la mayor parte de la población de un ‘Estado territorial’ con un Estado nacional’ y en definitiva, con una determinada idea de nación” (P.Ruiz Torres, “Política social y nacionalización...”, 2012, p.16) É um problema que, ao invés do que sucede em Espanha nas últimas décadas (Archiles, “Melancólico Bucle...”, 2011), carece de uma investigação aprofundada.
Ao longo do século XIX, a acreditar nos testemunhos de muitos intelectuais, de Garrett e Herculano a Basílio Teles, passando por Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, a sociedade portuguesa, predominantemente rural e dominada pelo analfabetismo, fora marcada pela ausência de espírito de cidadania e pela indiferença em relação à política. Mas implicaria este alheamento em relação à res publica, que tão bem documentado foi por Rafael Bordalo Pinheiro, ausência de consciência nacional? Creio que não, até porque como bem notou Joaquim de Carvalho a cultura portuguesa foi marcada por um “patriotismo localista” (Joaquim de Carvalho, “Compleição...”, Obras Completas, v. V, s.d. [1953] p.127), de apego à família â “dedicação materna” e ao terrunho, um sentido de pertença que passa por um habitus muito para além da cultura letrada e da historiografia.
À primeira vista, seriamos levados a crer que o processo de nacionalização se acentuou no período inicial do Estado Novo, sobretudo a partir de 1936, com recurso à “política do espírito”. Mas uma vez que o regime de Salazar promoveu a desmobilização dos cidadãos do espaço público – e exclusão de grande parte dos portugueses, os que não se reviam no Estado Novo e na sua propaganda - é de admitir que a nacionalização dos portugueses tenha ressentido limitações neste período. Por outro lado, no campo da memória nacional, até mesmo na vigência da ditadura, coexistiram múltiplas narrativas do passado, não coincidentes nas suas intencionalidades e interpretações: podemos distinguir uma narrativa laica e liberal do passado (que se prolonga com novos desenvolvimentos entre os historiadores republicanos já no século XX), muito centrada no conceito de nação, de uma narrativa tradicionalista e católica difundida pelo Estado Novo. Se esta última foi largamente difundida pelo Estado e pelas instituições dele dependentes durante mais de quarenta anos, também é verdade que desde os anos sessenta ela sofreu a concorrência cada vez mais evidente de narrativas históricas alternativas.