Mas não deixavam de cultivar um certo ideal nacionalista de nação. E os historiadores republicanos, herdeiros da narrativa liberal, valorizavam conceitos como povo, revolução, progresso, decadência e burguesia. Mas também raça. Aliás os republicanos, com os seus centros e clubes de bairro, formas de contacto directo com as camadas populares e a relevância que concederam a todo um argumentário historicista contribuiram indiscutivelmente para a nacionalização dos portugueses, especialmente nos centros urbanos (F.Catroga, O republicanismo..., 1991). Compreende-se que só com a I República se instituísse, entre outros dias feriados, o 1º de Dezembro – aliás considerado festa da bandeira (a Monarquia Cosntitucional considerara-o dia de “pequena gala”).
A primeira experiência republicana (1910-26) foi em Portugal marcada por intensos debates políticos. E a memória histórica não deixou de ser assiduamente convocada. Entre os objectivos da reforma universitária de 1911 que também instituía duas novas universidades (Lisboa e Porto), encontrava-se precisamente o propósito de estudar a nação nas suas múltiplas dimensões, de modo a que se produzisse novo conhecimento útil não só para o Estado como também para a formação dos cidadãos, no âmbito de um propósito nacionalizador (S.C.Matos, “Na primeira República”, A Universidade..., vol.I, pp.93-94). Desde os finais de Oitocentos, quer no campo das ciências humanas - incluindo a etnologia (Leal, Etnografias..., 2000) e uma ainda incipiente sociologia - quer no campo literário, das artes plásticas e da música, as representações do povo e de um idealizado “carácter nacional” ocupavam lugar destacado e relativamente consensual. Era então muito comum nos mais variados sectores intelectuais o diagnóstico de uma sociedade portuguesa desnacionalizada e muito permeável às culturas de importação. Assim pensavam Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Fidelino de Figueiredo e os integralistas. Mas não António Sérgio. Em 1912, no seu curso de História Pátria na Universidade Popular do Porto, Cortesão incluiu um tópico sobre “Necessidade de nacionalização. Importância dos estudos históricos para esse fim” (S.C.Matos, “António Sérgio e os nacionalismos...”, p.297).
Mas no que respeita às narrativas sobre o passado, a hegemonia de uma memória histórica liberal e republicana começava a ser posta em causa por sectores de uma juventude que acabara de se formar na Universidade de Coimbra e não se revia no novo regime.