Embrenhada na teia das legitimações ideológicas e políticas do Estado Novo, a escrita portuguesa da história limitava-se a rejeitar a exclusividade da justificação religiosa da colonização, reconhecendo a importância do económico nas relações entre portugueses e africanos, mas continuando a recusar o suporte ideológico do racismo (Oliveira Marques, História de Portugal [1972],1986, II, 532).
A história da «África Portuguesa» ou a recusa da autonomia histórica africana
Se a historiografia internacional da década de 60 estabelecia linhas de reflexão e de análise capazes de definir com rigor as dinâmicas históricas das sociedades dominadas, a situação da historiografia portuguesa traduzia-se na redacção e na difusão de histórias a-problemáticas, cujo único objectivo era reconfortar as escolhas do poder instalado, recusando textos, autores e factos incómodos: tanto Marcelo Caetano (1951) como Silva Rego (1956-1957) centravam as suas preocupações na ideia da «continuidade» da colonização portuguesa, marcada por uma «vocação colonial», que se mantivera inabalável no decurso dos cinco séculos de uma história sem rupturas, marcada pelas relações com os outros povos. Estes, eram agora, no quadro colonial novecentista, os africanos, que garantiam a verdadeira dimensão da excepcionalidade imperial portuguesa, “a África [sendo] o único dos continentes colonizáveis onde Portugal [possuía] como nação soberana (…) interesses importantes assim como (…) promessas de uma prosperidade futura” (Batalha Reis, Estudos Geográficos e Históricos, 1941, 87).
A inferioridade racial dos africanos, a sua quase animalização tão cientificamente provada pela ciência oitocentista e provada pelo “conhecido (…) horror do preto pelo trabalho” (Silva Rego, História da Colonização Moderna, 1956-1957, 203), permitia escamotear a história da África, despojada de qualquer forma de intelectualidade, como já o fizera Hegel, mestre directo ou indirecto de Silva Cunha, entre tantos outros homens fortes do regime salazarista. O conhecimento histórico relativo à África tornava-se, assim, num segmento da história portuguesa, os africanos sendo apenas mobilizados para permitir a afirmação da coragem ou da inteligência dos portugueses.