Se os estudos consagrados aos Outros se desenvolveram durante o período final da Ditadura, nem por isso deixaram de evidenciar as interferências do colonialismo. Os ‘especialistas’ de África não puderam ou não quiseram modificar o olhar redutor há muito lançado em particular sobre as populações africanas, e confortavelmente partilhado pelos portugueses instalados nas colónias e por uma população metropolitana alimentada pela ideologia colonial, manifestando-se, assim, uma sólida unidade nacional, que reduzia a importância dos conflitos entre a ‘situação’ e a ‘oposição’, não se abrindo qualquer brecha significativa para o conhecimento científico do Outro.
A historiografia portuguesa e a história dos povos colonizados Limitações da historiografia dos descobrimentos e da expansão portuguesa
A historiografia portuguesa anterior a 1974 caracterizou-se pela constância da recusa em considerar a autonomia histórica dos colonizados, que permaneceram como um objecto periférico de uma história nacional, amarrada à mitologia colonial e ao elogio da missão de «civilizar» os Outros. Centrada no estudo dos descobrimentos e na expansão ultramarina, a maioria dos historiadores portugueses, apesar da apologia do valor da imparcialidade na escrita da história, continuaram sensíveis às exigências da doutrinação política verificadas no século XIX e na Primeira República, reforçadas pela dureza do colonialismo e da censura do Estado Novo. A relação entre historiografia e ideologia ao serviço do projecto colonial caracterizou-se por uma sintonia entre apoiantes e opositores do regime na tarefa de desvalorização histórica e cultural dos povos dominados.
Foi pois no espaço historiográfico dos descobrimentos e da expansão portuguesa, timidamente alargado ao império colonial que as directivas político-ideológicas censuravam e proibiam, que se assistiu à emergência do Outro, sendo indispensável sublinhar a diferenciação e a hierarquização das leituras portuguesas – aliás, na esteira das congéneres europeias - entre o africano e o asiático, para falar apenas daqueles que constituíam os colonizados do império português dos séculos XIX e XX.